Pedra, Papel e Tesoura

6 de setembro de 2017

Anotações sobre o nascimento da tragédia.

Filed under: Livros, Música, Passatempos — Tags:, , , — Yure @ 16:15
  1. A tragédia nasce do espírito da música, diz o autor.

  2. Por que os gregos tinham necessidade do gênero trágico, eles que eram tão felizes?

  3. Pessimismo não é sinal seguro de declínio.

  4. Foi Sócrates quem matou a tragédia grega. A razão descreditou a tragédia.

  5. A racionalidade pode ser sinal mais seguro de declínio do que o pessimismo.

  6. A ciência é questionável. Infelizmente, ela pode ser questionada erroneamente também.

  7. A ciência não pode pensar a si mesma. Esse é o trabalho pra arte ou pra filosofia. Nietzsche prefere a arte.

  8. A tarefa do livro é ver a ciência sob a ótica do artista.

  9. É possível ser tão lúcido a ponto de ficar louco? Sim, é possível.

  10. O cristianismo, pelo ódio ao mundo, leva o cristão a fechar os olhos aos prazeres desta vida em prol de vagas promessas, diz o autor. Importante lembrar que se trata do cristianismo mais tradicional. O judaísmo não tem, por exemplo, um “céu” pra onde as almas vão. Para os judeus, só há um mundo onde humanos podem viver: este. É o mesmo com as testemunhas de Jeová. Essa crítica de Nietzsche só se sustenta no cristianismo que afirma a existência de dois mundos.

  11. Para o cristão, esta vida é sem sentido. Nietzsche vê nisso um sintoma de grave doença.

  12. A moral, diz Nietzsche, é o começo do fim.

  13. Uma filosofia que afirma o valor deste mundo em detrimento do outro mundo cristão é uma filosofia anticristã. Só que hoje, com o movimento cristão alternativo ganhando força, existe um cristianismo que afirma só um mundo. Então, Nietzsche já não é mais tão anticristão como costumava ser no seu século.

  14. O espírito trágico, diz Schopenhauer, não vê neste mundo nenhuma razão de apego. Assim, ele conduz o indivíduo à resignação. Nietzsche discorda. Pra Nietzsche, o espírito trágico não traz nenhuma resignação.

  15. Pra alguns, é melhor que nada seja verdade do que o inimigo ter razão de alguma coisa. Esse pessoal frequentemente se dirige e seduz os jovens.

  16. Não adianta ouvir de ouvidos tampados.

  17. O consolo do cristão é a vida futura. O consolo do ateu é o riso mundano, diz o autor. No entanto, o cristão pode se consolar de ambas as formas, já que essa vida futura pode estar bem longe. Ou não (Mateus 24:36).

  18. A arte plástica e a arte musical nascem desse confronto entre o dionisíaco e o apolíneo. O impulso dionisíaco produz a música e, no seu combate com o apolíneo, é estimulado a produzir mais música. O impulso apolíneo produz artes plásticas, como a escultura, da mesma forma que Dionísio produz música. Mas a tragédia ocorre quando os dois estão juntos, lado a lado, o que não necessariamente quer dizer que eles estão em concórdia.

  19. Apolo e Dionísio são relacionados aos dois estados de inspiração do artista: Apolo é o sonho, Dionísio é a embriaguez. Isso porque Dionísio é também o deus grego do porre.

  20. Dizem os antigos que os deuses apareciam em sonhos, nos dando uma ideia de como eles eram em aparência. Aí o pessoal esculpia eles. E é quando estamos bêbados que mais dançamos. Festa sem álcool não existe.

  21. Para alguns poetas, a poesia é a arte de interpretar sonhos.

  22. Não é possível praticar artes plásticas sem imaginar a cena a ser representada antes de começar, diz o autor. Isso não é verdade; eu sei, por experiência própria, quando desenho, que a cena pode ser imaginada conforme a representação progride. Não há necessidade de ter uma cena completa em mente antes de começar. É como desenhar por associação livre, um jogo de perguntas e respostas entre você e o papel.

  23. A sensação de que o mundo físico é falso é sinal de aptidão para a filosofia. Porque a filosofia diz que as coisas não são como parecem.

  24. Tem sonhos mais reais que a realidade. Se você não acordasse, nunca iria saber.

  25. Para desespero de Descartes, sim, existem casos em que um sonho continua o outro. Como saber se estou acordado agora, então? Porque, pra Descartes, a única diferença entre sonho e vigília é que um sonho não continua o outro, mas um dia no mundo real continua o dia anterior. Se um sonho pode continuar o sonho da noite anterior, como é que eu vou poder diferenciar com segurança?

  26. Viver sóbrio, mesmo que torne a vida mais longa, torna a vida mais chata. A pessoa que não se permite um excesso, que é excessivamente controlada e comedida (tipo eu), tem uma longa vida chata, em comparação com a curta vida louca do bêbado festeiro, que ao menos o faz feliz.

  27. Tomar um porre de vez em quando não necessariamente é ruim.

  28. O porre é a concretização da instrumentalidade humana.

  29. Nem todas as festas são dionisíacas. Nem todo o sátiro é Dionísio. Existem festas em que a pessoa se embebeda e produz arte. Mas existem festas em que a pessoa se embebeda e vira um animal.

  30. Tem gente que preferia não ter nascido.

  31. O sofrimento é necessário à arte, porque nos permite imaginar como as coisas poderiam ser diferentes. Assim, a arte que consola vem da realidade opressiva.

  32. Às vezes é preciso estar bêbado pra dizer a verdade.

  33. A música representa, à sua maneira, os mesmos objetos que a arte plástica, mas sem mostrá-los. É como quando você nomina um tema: “Ambiente Aquático”, “Louco Dançarino”, “Exodia”, são todas músicas sem letra, mas que representam alguma coisa por similitude, isto é, sem mostrar o objeto a que se reportam. Existem exceções, como músicas com letra e músicas cujo nome tão somente se refere às técnicas usadas (“Prelúdio e Fuga em A-Menor”, pra dizer que a música usou a técnica de prelúdio, a técnica de fuga e é tocada em a-menor).

  34. A poesia imita a música. Mas palavras não podem imitar o simbolismo universal da música, que se dirige ao coração, em um nível mais penetrante que o da palavra.

  35. Ninguém sabe exatamente como a tragédia grega começou, mas porque ninguém se importou em sequer fazer a pergunta com seriedade.

  36. Para que a arte funcione, precisa ser reconhecida como arte e não como realidade. É o que Kant diz do sublime, de certa forma, quando afirma que o sublime só pode ser apreciado sem perigo real.

  37. Não existe plateia sem show.

  38. A comédia é a “descarga artística da náusea do absurdo”. É tão doido que chega a ser engraçado. E porque é engraçado que é tolerável.

  39. Para Nietzsche, o sátiro é superior ao ser humano, por viver a realidade inteira com toda a sua intensidade. A civilidade impede o ser humano de fazer o mesmo.

  40. O poeta quer retratar a realidade, mas como, se ele não a viver?

  41. Na tragédia, Dionísio é representado pelo coro, enquanto que Apolo é representado pela cena. Som e imagem se juntam, embora não se misturem, num espetáculo com todos os elementos de um e de outro.

  42. Uma pessoa sábia ainda pode errar e se tornar miserável. Paralelo com Salomão.

  43. Alguém escreveu: “um sábio mago só pode nascer de um incesto.” Isso porque magos não são seres naturais, mas que resistem à natureza, ao passo que o parecer da época era de que incesto é algo antinatural.

  44. A sabedoria humana foi um acidente. Para o autor, ela não é natural. Pra mim, se ela é acidental, é um feliz acidente.

  45. O princípio do mal é a individuação. Não poderíamos fazer mal um ao outro se fôssemos um só.

  46. A música atinge todo o seu potencial na tragédia. Caso você ainda não tenha percebido, “tragédia”, aqui, é o gênero de teatro.

  47. Para Nietzsche, as religiões começam a morrer com a ortodoxia. Quando você faz um cânon oficial, descartando tudo o mais como mito, você impede a depuração e revitalização da religião. Então, como o cristianismo subsiste? Porque, verdade seja dita, não existe ortodoxia no crisitianismo… Existe uma Bíblia Sagrada, é verdade, mas não há interpretação oficial fora da Igreja Católica. Por exemplo, o Protestantismo encoraja cada cristão a ter sua interpretação da Bíblia. Como é possível uma ortodoxia assim? Nietzsche, contudo, fala de cânon histórico, mas o fenômeno cristão mostra que é possível que uma religião subsista com cânon histórico, desde que não haja cânon doutrinário. Se houvesse uma só interpreação da Bíblia, o cristianismo seria destruído quando essa interpreação fosse descreditada, mas o que se observa é que, quando uma interpretação cai, duas aparecem no lugar.

  48. A tragédia grega morreu de suicídio. Trágico.

  49. O suicídio da tragédia ocorreu quando Eurípides começou a escrever tragédias em que o destino poderia ter sido evitado. Isso fez com que a população, que antes encarava o destino com indiferença (“qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento, então é inútil me preocupar”), passou viver em estado de alerta (“qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento, mas eu posso evitar, então devo me preocupar o tempo todo”). A tragédia, que antes promovia a aceitação da vida, passou a promover a sua negação. Não é a vida como é que importa, mas como ela deveria ser.

  50. A tragédia foi sucedida por outro gênero que melhor atendia às pessoas que agora pensavam dessa forma: a nova comédia.

  51. O valor formativo do trabalho de Eurípides o tornava requisitado. Não se ia mais ao teatro pra sofrer com os personagens, mas pra aprender.

  52. Antes, era possível encarar a miséria humana com indiferença, mas agora ela era temida.

  53. A única crítica que o arrogante escuta é a dele próprio.

  54. Derrotar um gênero artístico requer a prática desse gênero.

  55. Eurípedes arruinou o gênero trágico por causa de Sócrates! Parece que foram contemporâneos. Como Eurípedes não gostava da atual forma da tragédia grega, ele começou a conversar com Sócrates, que também não assitia as tragédias. Foi pela influência socrática que Eurípedes concebeu sua interpretação da tragédia, a qual ele levou a efeito.

  56. Quando Eurípedes percebeu que estava destruindo o gênero trágico, ele tentou fazer uma peça nos moldes da tragédia tradicional, mas já era tarde demais. Destruir e depois pedir desculpas não conserta o que foi destruído. Além do mais, considerando que Eurípedes não entendia a tragédia tradicional e passou sua vida discordando dos mestres, não duvido que sua retratação tenha sido uma porcaria de peça.

  57. Eurípedes removeu o elemento dionisíaco das suas tragédias, ao passo que nunca conseguiu chegar totalmente ao apolíneo. Havia um vazio em suas peças que precisava ser preenchido. Ele preencheu com ajuda de Sócrates. Com filosofia.

  58. A tragédia euripidiana conta o final da peça já no prólogo.

  59. Uma peça que estimula a pensar é uma peça que desencoraja a sentir. Tudo bem você refletir depois sobre a peça, mas é contraprodutivo estimular essa reflexão durante a peça. Durante a peça, você deveria assistir.

  60. Se Sócrates não era artista, como é que Eurípides deixava Sócrates ajudar?

  61. A poesia é a verdade para idiotas. Porque algumas pessoas só entendem a verdade através da arte, não pelo discurso científico.

  62. Platão ia ser poeta, se não tivesse se encontrado com Sócrates e virado filósofo.

  63. O romance é uma fábula intensa.

  64. A influência socrática sobre Eurípedes deu à luz “tragédias” que enfatizavam a ligação entre felicidade e virtude. Só que essa é uma ligação que não é necessária: muitos bons sofrem. A tragédia anterior, que mostrava o sofrimento como ato do destino, algo que poderia sobrevir a qualquer um, não é mais realista, ao menos nesse ponto?

  65. A tragédia encontra seu elemento dionisíaco (musical) no coro. Remover o coro da tragédia é remover Dionísio. Sem Dionísio, não há mais tragédia, uma vez que a tragédia é Apolo e Dionísio.

  66. Sócrates não começou a batalha contra Dionísio, mas apenas ajudou a terminá-la, transformando, por meio de Eurípides, a expulsão de Dionísio em uma moda a ser seguida.

  67. Os gregos eram tão originais que alguns artistas preferem não estudá-los, pra não verem que algumas de suas ideias, aparentemente tão originais, já foram tentadas e desenvolvidas antes. É por isso que um dos meus amigos não lê TV Tropes.

  68. Alguém contente consigo próprio não pode ser derrotado por simples inveja ou mentira. Por isso as pessoas temem ou se envergonham perto dele.

  69. A busca pela verdade dá sentido às pessoas. Querem procurar a verdade, mas não necessariamente encontrá-la. Porque, se encontrarem, o que farão da vida depois disso? Já pensou como seria nossa vida se não houvesse mais nada pra aprender? Se soubéssemos tudo? Talvez ela até fosse melhor, mas nem todos a levariam numa boa, porque não iriam saber o que fazer com a vida. A busca pela verdade inalcançável, esquecendo que é inalcançável, é uma autoajuda, um meio de dar significado a uma vida que, de outra forma, não teria sentido.

  70. Uma luta intelectual não pode ser somente assistida. Quem assite, tem que lutar também.

  71. A filosofia e a ciência não podem se sustentar sozinhas. O ser humano precisa da arte. E o grego que havia começado a curtir a tragédia de Eurípedes percebeu também, em algum tempo, que o conhecimento humano tem limites. A frustração de se deparar com esses limites criou uma nova demanda pela tragédia, mas como voltar a ela agora, uma vez que o grego havia aprendido a detestar Dionísio?

  72. O comentário mais fiel de uma cena é feito pela trilha sonora que toca junto com ela.

  73. Se a música combinar com a cena, o entendimento da plateia é melhorado.

  74. É por isso que se canta, em vez de simplesmente declamar poesia.

  75. A cientifização da arte faz com que encaremos gênios que não pactuam com essa cientifização como incompreensíveis. E no entanto são os melhores.

  76. Uma classe de escravos que percebe que está sendo tratada injustamente e passa a desejar vingança é algo perigoso ao estabelecido. Quando um escravo começa a querer se vingar e a vingar até as gerações futuras, não há religião que o pare (“se Deus existe e é bom, deve ser contra a opressão!”).

  77. Tem muito pastor ateu.

  78. Não é possível saber tudo.

  79. Causalidade, tempo e espaço são coisa da nossa cabeça.

  80. Uma sociedade científica deve deixar de existir quando começa a ser ilógica. Uma cultura científica ilógica está caduca.

  81. Para Nietzsche, a ópera não é uma criação de artistas, mas de leigos.

  82. O problema da ópera (e de muitas músicas por aí) é priorizar a letra sobre a melodia, a harmonia e o pulso.

  83. Nem todas as pessoas sensíveis são artistas. Sensibilidade não é o mesmo que aptidão artística.

  84. Não existe estado sem indivíduos.

  85. A educação e as notícias predispõem uma pessoa a julgar um trabalho de arte de determinada forma.

  86. Um crítico de arte pode julgar uma obra com critérios que não têm nada a ver com arte.

  87. Um pouco de dissonância ajuda a música.

2 Comentários »

  1. […] A loucura nada tem a ver com Apolo e muito tem a ver com Baco. […]

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    Pingback por Anotações sobre o elogio da loucura. | Analecto — 26 de junho de 2018 @ 12:46

  2. […] É perturbador que os seres humanos apreciem o gênero trágico. […]

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    Pingback por Anotações sobre as confissões. | Analecto — 3 de novembro de 2017 @ 17:05


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