Pedra, Papel e Tesoura

17 de maio de 2018

Três formas de eliminar uma lei.

Esses dias, eu estava sem computador, então eu não pude escrever muita coisa aqui. Usar o computador do meu sobrinho é um pesadelo, porque é um notebook sem teclado. Eu tinha que clicar nas letras que eu queria digitar, utilizando um teclado virtual, o que logo se mostrou um estorvo físico e mental. Então eu tirei umas férias da Internet e fiquei escrevendo coisas num caderno e também desenhando. Uma das coisas que escrevi foi uma pequena reflexão sobre como se livrar de uma lei que te incomoda.

Eu encontrei três formas: democrática, implosiva, radical. A via democrática requer converter o máximo possível de pessoas a sua linha de pensamento, a fim de que determinada ideia ganhe força política e, depois, representação política. Isso é fácil fazer, mas é um processo longo, que pode demorar décadas. No entanto, a longo prazo, é um dos métodos mais garantidos se você manjar de retórica. Fato é que, se você continuar insistindo e seu grupo continuar crescendo, eventualmente dará certo. Afinal, as feministas não são nem sequer a maioria das mulheres e olha o que elas fizeram.

A via implosiva consiste na alienação entre lei e código. Tomemos como exemplo o 217-A do Código Penal. Esse texto diz que ninguém pode ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso antes dos catorze anos. Alguns juristas argumentam que, ao condenar como estupro todos os atos libidinosos engajados antes dos catorze anos (porque violência é presumida), mesmo quando eu tenho provas de que não usei violência, interfere com a presunção de inocência do sujeito. Se eu entro no julgamento já condenado, a lei é inconstitucional. É isso que diz o argumento. Houve algumas tentativas de fazer o governo perceber que o 217-A é inconstitucional, mas nenhuma deu resultado até agora. É nisso que consiste a via implosiva: se a lei fosse declarada inconstitucional, isto é, conflitante com um código maior, ela perderia o efeito. É a via mais difícil, mas tem consequência instantânea.

A via radical consiste na normalização do comportamento ilegal pela desobediência sistemática. O próprio governo pode acabar fazendo isso. Por exemplo: a nova definição de molestamento no estado do Arizona diz que qualquer contato feito por um adulto aos genitais de uma criança conta como molestamento. Isso efetivamente criminaliza banhos e trocas de fralda. É uma lei de palha, impraticável. Quem poderá obedecer a isso? Certamente, não as mães. No caso do 217-A, os maiores infratores dessa lei são os próprios menores, ao desenvolverem relacionamentos juvenis ou infantis entre si, além de jogos que podem ser considerados libidinosos, típicos das crianças travessas que são deixadas sem supervisão.

Então, eu não posso dizer pra você quebrar as leis, embora tenha um monte de criança que não sabe ler isto que estou escrevendo e que simplesmente não se importa. Mas a via implosiva soa tentadora. Se existem advogados argumentando que essa lei é inconstitucional e se existem juízes que se recusam a aplicá-la literalmente, eu resolvi verificar as coisas por conta própria e baixei a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Nos próximos dias, eu os lerei com calma e procurarei argumentos contra o 217-A. Eu também fiz um curso online muito capenga (só cinco horas) de argumentação jurídica e aprendi sobre a relativização do direito e como o juiz pode ouvir outras fontes fora o texto da lei, como a ciência e a filosofia. Mesmo que eu não seja capaz de encontrar esses argumentos, uma vez que minha área não é o direito, ainda é uma boa ideia eu ler esses códigos. Afinal, é a lei do meu país. Eu tenho que me manter atualizado em relação a ela.

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