Circuncisão.

Um amigo meu estava assistindo uma transmissão ao vivo de um artista filipino de quem ele gosta. Durante a transmissão, o artista mencionou que foi circuncidado aos sete anos e não tinha gostado nada. Outros filipinos do chat da transmissão partilharam o mesmo sentimento. Aos sete anos, você é capaz de memória faz tempo e essa seria uma experiência inesquecível, não no bom sentido. A parte que deixou meu amigo perturbado foi quando o artista e os outros filipinos do chat mencionaram que a circuncisão deles não foi motivada por razões religiosas ou médicas, mas por um costume prevalente nas Filipinas, como os furos que se fazem nas orelhas das meninas no Brasil, a fim de que elas possam usar brincos.

Meu amigo, que é circuncidado, ficou com tanto nojo daquela história que passou mal. Ele começou a pesquisar sobre o assunto e resolveu virar um intactivista. O “intactivismo” é a ideia de que a circuncisão, como fenômeno cultural, deve ser abolida. A única razão lícita pra circuncidar um menino seria por grave deformidade peniana. Então meu amigo resolveu usar seu canal no Youtube pra defender essa causa.

Na tentativa de ajudá-lo, eu resolvi mostrar alguns argumentos contra a circuncisão por aqui também. Não que isso faça algum sentido pra minha audiência principal, que é brasileira, visto que a circuncisão por aqui não ocorre por “tradição”. Mas, pra deixar o cara mais feliz, por que não?

Razões físicas.

O prepúcio é bastante sensível ao prazer. Por causa disso, o sexo é mais prazeroso pra pessoas que o têm. Sem o prepúcio, o homem precisa fazer movimentos mais intensos pra chegar ao orgasmo. Um dos amigos do meu amigo circuncidou o filho dele pra que o garoto “durasse mais tempo na cama”. É verdade, a pessoa circuncidada realmente dura mais tempo na cama porque é menos sensível ao prazer. Também por essa razão, o sujeito precisa se mexer mais rapidamente e com mais intensidade durante o sexo, o que o torna mais “selvagem”. As mulheres curtem isso. Mas pense um pouco: você faria uma mudança permanente no corpo do seu filho pra que ele possa dar mais prazer à mulher, às custas do próprio prazer? Você não acha isso nem um pouco humilhante? Além disso, tal decisão, a de circuncidar o filho, é tomada pelos pais, que não viverão a vida sexual do filho em lugar dele. Isso me soa uma desnecessária intrusão na vida sexual do filho, quando ele ainda é um bebê.

É certo que o prepúcio torna o homem mais vulnerável a algumas doenças sexualmente transmissíveis. Então, nos tempos bíblicos, era uma vantagem circuncidar um menino, já que a medicina era muito limitada e não existia camisinha. Hoje, é possível evitar doenças sexualmente transmissíveis através da boa higiene, do bom cuidado com o corpo e do uso de preservativos. Logo, a vantagem física da circuncisão pode ser obtida pela prática segura do sexo e de uma higiene em dia.

Ademais, nos tempos bíblicos, não havia fraldas. As fraldas são usadas pelos pais pra conter os excrementos da criança enquanto ela não aprende as convenções do uso do banheiro. Uma criança recém-circuncidada que é posta numa fralda expõe as marcas da cirurgia às bacterias que lhe infestam as fezes. Isso provoca inflamação, ardência e retardo na recuperação da cirurgia. Pra ser justo, porém, existem métodos pra evitar isso.

Por último, a circuncisão é uma cirurgia de remoção. Mesmo que ela seja bastante segura, ela não é livre de possibilidade de erro, seja pela perícia do médico, seja por uma reação inesperada no corpo do paciente, ou até por razões fora do controle dos dois. É possível morrer em decorrência de uma circuncisão mal feita. A chance é muito baixa, mas, se acontecesse com seu filho, de que valeriam as estatísticas?

Reflexão sobre a moralidade da circuncisão.

Circuncidar um menino é fazê-lo passar por um procedimento que não é completamente reversível (um prepúcio restaurado não é exatamente igual ao prepúcio natural). Isso é normalmente feito sem o consentimento do menino. E se, no futuro, ele concluir que a vida dele teria sido melhor se a circuncisão não tivesse ocorrido? Os pais agem imoralmente ao fazer a circuncisão no filho, na medida em que o fazem sem necessidade, porque impõem ao corpo do filho uma modificação que ele não poderá desfazer ao chegar à idade da razão. Se não houver necessidade médica, deixe como está. Ele decidirá, na idade adulta, se quer ou não passar pelo procedimento. Passar por cima desse preceito é abuso (ou deveria ser considerado abuso). Depois apontam pra certos grupos, dizendo que os monstros são eles, quando abuso físico infantil ocorre com mais frequência e é mais pernicioso.

Circuncidar sem necessidade é circuncidar pelo luxo, pela “aparência”. É um absurdo fazer uma criança passar por um procedimento invasivo por questões de aparência, procedimento que ela provavelmente não escolheria se fosse oferecido a ela. É como furar a orelha da menina quando ela ainda é um bebê, pra que ela seja introduzida ao uso dos brincos. Eu nem sou feminista e sempre fui contra isso. Modificações frívolas no corpo devem ser uma escolha da criança, não dos pais dela.

E quanto à religião?

Eu abro uma exceção à religião porque, enfim, a fé é um sentimento. Como todo sentimento, não há argumento que afete a fé, na medida em que o fiel tem uma fé forte. Mas, de um ponto de vista estritamente cristão, a circuncisão não é necessária. É verdade, Jesus disse que a Lei é pra sempre, mas a Lei foi dada aos judeus (tanto que Jesus, sendo judeu, foi circuncidado), não aos “gentios”, como se chamava na época os que não eram judeus. Por causa disso, a igreja de Jerusalém, formada logo após a subida de Jesus ao Pai, emitiu um decreto exonerando os gentios da observação da Lei de Moisés, embora também deixasse recomendado a abstenção do consumo de sangue, do consumo de animais mortos por sufocamento, da fornicação e da idolatria (Atos 15:1-20).

Concluindo.

Gosto bastante do meu amigo ter se tornado intactivista e ter se apaixonado por tal causa. Eu não sei se eu posso me considerar um intactivista já que eu nunca fiz ativismo por causa disso. Este texto é o único que produzi sobre este assunto. Mas é uma boa causa pela qual lutar. Espero ver mais sobre este assunto no futuro, no Brasil e fora dele. Lembrando que o que acabo de escrever diz respeito à circuncisão sem razões médicas ou religiosas. Claro que, se você tiver fimose ou uma inflamação recorrente, você vai ter que remover o prepúcio. Mas essas são condições raras. Nesses casos, compensa circuncidar.

Publicado por Yure

Quando eu me formei, minha turma teve que fazer um juramento coletivo. Como minha religião não me permite jurar nem prometer, eu só mexi os lábios, mas resolvi viver com os objetivos do juramento em mente de qualquer forma.

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