Talvez as pessoas me julguem por causa disto, mas eu amo O Príncipe e eu recomendo a leitura desse livro pra todo o mundo que eu vejo no trabalho, tanto pra saber como se dar bem como pra entender como os políticos tiram onda com você. Afinal, ainda é um livro surpreendentemente atual.
Maquiavel é visto como o sujeito que separou ética e política (antes, eram estudados como uma coisa só). Mas por que ele faria algo assim? Talvez nem tenha sido a intenção dele. Ele apenas observou que certas coisas que temos como virtuosas na vida privada são viciosas na ação de governar. Entraremos logo neste assunto. Por ora, apenas entenda que a ética e a política devem ser estudadas em separado porque os princípios éticos, aplicados na política, podem prejudicar mais que podem ajudar.
Maquiavel nasceu numa família tradicional, mediana. Não foi um sujeito de infância muito especial. Antes de virar secretário da república florentina, ele estudou humanidades. Naquele cargo, Maquiavel conviveu com a prática política e descobriu como a política de fato é diferente daquela que se estuda nos livros e dos modelos que estavam aí pra serem estudadas (como a república platônica ou a Cidade do Sol). Com a ascensão dos Médici, ele largou o emprego, mas depois voltou e saiu de novo por causa da idade.
Política e ética não são a mesma coisa.
Maquiavel, com seu realismo político, foi talvez o primeiro a apontar, na história da filosofia, que as virtudes da ética podem atrapalhar a boa condução de um governo. Um exemplo: é bom ser perdoador na vida interpessoal, ser tranquilo, mas não vingativo. Mas você votaria em um candidato perdoador? Provavelmente não. É que esperamos que nossos governantes tenham pulso para combater o mal, não simplesmente “perdoar e esquecer”. Isso é especialmente verdade em caso de guerra, mas entraremos neste assunto em breve.
Outro exemplo: na vida interpessoal é importante ser honesto, mas isso nem sempre é possível na política… Vamos supor que você queira muito aprovar um auxílio financeiro pra população pobre. Aí, você precisa de votos na câmara dos deputados pra aprovar seu auxílio. Só que a câmara dos deputados é cheia de gente corrupta. Eles dizem: “a gente te dá os votos, mas você tem que dar algo em troca.” Aí, você vai ter que se corromper ou permitir a corrupção deles pra obter votos, mesmo que você queira apenas aprovar algo bom pra sociedade! Assim, vemos que mesmo os políticos bem intencionados podem necessitar fazer o jogo sujo da política. Quem sabe se o benefício social que você usa não surgiu de uma falcatrua dessas? Mas o fato é: o benefício é bom e você o usa, quer ele tenha sido obtido honestamente ou não.
Assim, Maquiavel mostra que as virtudes morais podem prejudicar a política. Na verdade, até mesmo algumas coisas que seriam eticamente viciosas, como o calote, podem ser úteis ao governante e até ao povo dele. Por exemplo: seria compreensível pedir dinheiro emprestado à outra nação, sabendo que não será possível pagar, se fosse pra injetar no sistema de saúde, permitindo um gerenciamente melhor da pandemia.
Leis e poder, crueldade e piedade, amor e temor.
O poder é exercido de duas maneiras: pela força e pelas leis. É pela força que o monarca exerce seu poder diretamente, através da polícia ou das forças armadas. Mas ele pode usar as leis para exercer seu poder indiretamente. O uso da força torna o governante temido, enquanto que o uso das leis o dá uma imagem mais branda, permitindo que ele seja mais facilmente amado. No entanto, observe que Maquiavel escreveu para monarcas. Na democracia, também o uso da força está submetido às leis. Você não pode (ou, pelo menos, não deveria poder) chamar as forças armadas pra qualquer coisa numa democracia.
Maquiavel deixa essas duas formas de exercício do poder à disposição do governante, mas dizendo que elas podem tornar o governante mais amado ou mais temido dependendo de como são usadas. Qual das duas opções seria a melhor: ser amado ou ser temido? Para Maquiavel, isso depende daquilo que tornará o governante mais popular naquele momento. Se agir de forma amorosa em uma dada situação for tornar você mais querido, aja dessa forma. Do contrário, se você acha que ser temido aumentará sua popularidade em uma dada situação (é por isso, aliás, que muitos políticos passam o pano pra chacinas promovidas por policiais, uma vez que parte de seus eleitores, no fundo, apoia esse tipo de ação e se voltaria contra os governantes que as reprimem), você deve buscar ser temido. Mas e quanto às situações em que eu não sei se devo ser temido ou amado? É simples: na dúvida, seja temido. Isso porque é mais fácil fazer mal a uma pessoa que você ama do que a uma que você teme.
Você deve ter percebido que Maquiavel dá muita ênfase à popularidade do governante e isso tem suas razões: o governante impopular sai do poder. Se o governante quiser se manter no poder ou, pelo menos, permanecer relevante e influente, ele precisa sempre do apoio do povo. Do contrário, ele toma um golpe ou sobre uma revolta por parte do povo.
Recomendações.
O Príncipe é um livro e tanto e eu torno a recomedá-lo a todas as pessoas: para os que desejam poder, para os que desejam se defender do poder exercido e para aqueles que estudam o poder. É assim que é. A descrição maquiavélica da política mostra claramente por que não existe, no mundo, governo livre de corrupção. Mesmo que o candidato suba ao poder com a melhor das intenções, o fato de que ele lidará com pessoas corruptas e, talvez, muito influentes ou ricas praticamente garantirá que pactuar com a corrupção, de um jeito ou de outro, pode aumentar a governabilidade. O político não precisa, ele mesmo, enriquecer, mas permitir o enriquecimento das pessoas certas pode até mesmo servir pra habilitar uma pessoa a fazer bem ao povo que o elegeu! Isso não é horrível? Esse artifício torna a corrupção útil, o que é prova patente de nosso fracasso como seres éticos. Isto não nos deve fazer deixar a política da lado (até porque a política nunca deixa você de lado), mas deve servir pra nos estimular a fazer uma política melhor.
Talvez isso nos ajude a ver por que algumas pessoas, sendo tão boas e com tão boas ideias, queiram ficar politicamente neutras ou nunca se candidatarem a cargos políticos. Elas temem se corromper, um medo perfeitamente plausível. Não é difícil perceber que a política facilmente conflita com virtudes que vemos nessas pessoas. Tome o exemplo do estado cristão: o que iria acontecer com as forças armadas, com a taxa de natalidade ou com a economia num país pautado segundo a ideia de “não matarás”, a ideia de que só se deve fazer sexo com sua mulher, a ideia de que se deve viver com o necessário apenas (abdicando das riquezas)?
[…] que faliu. Assim, a empresa que quer evitar algo assim pode se ver forçada a agir até mesmo contra a ética. Tendo isto em mente, […]
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Pingback por Ética empresarial. – Analecto — 30 de abril de 2022 @ 18:47