Quais habilidades ou lições você aprendeu nos últimos tempos?
Em 2020, um amigo meu empurrou um manual de Python na minha cara e eu, que sempre reclamei por não saber programar, comecei a aprender. Eu me sentia o tal escrevendo aventuras baseadas em texto utilizando Python. À época, eu estava no MX Linux. Mas eu resolvi, em 2021, voltar pro Ubuntu. E, de repente, nada do meu código funcionava. Foi quando eu tive minha primeira decepção com Python: as versões 2 e 3 são incompatíveis. Eu, sem saber, havia aprendido Python 2, enquanto que Ubuntu prioriza Python 3. Sem problemas, é só converter meu código, mas foi um baque e tanto, porque e tive que aprender a sintaxe nova.
Mas logo veio minha segunda decepção: a comunidade. Não me entenda mal; a comunidade Python é legal, mas ela tem certos padrões de correção que me irritam. Particularmente, sempre que eu mostrava meu código pra alguém, a primeira pergunta que me faziam era: “quando você vai aprender a programar orientado a objetos?”. Pra mim, orientação a objetos é uma forma pouco intuitiva, difícil de ler, de fazer as mesmas coisas que eu já fazia programando Python de maneira apenas procedural. Eu não via necessidade de aprender orientação a objetos e essa suave pressão pra me fazer ir nessa direção estava me irritando.
Outra decepção que tive com Python é que não é possível fazer tudo com Python. Existem coisas que Python não pode fazer, caso de todas as coisas comumente agrupadas sob o termo “baixo nível”: sistemas operacionais, controladores de dispotivo e ferramentas de sistema. Se eu algum dia quisesse fazer essas coisas, eu não poderia com Python. Queria poder fazer o que eu quisesse com uma linguagem só, que fosse compatível entre versões e que cuja comunidade não me empurrasse pra um paradigma diferente do procedural.
Assim, em 2021, eu arrumei uma cópia de The C Programming Language e hoje C é a única linguagem na qual eu estou desenvolvendo. Atualmente, estou tentando criar um jogo bidimensional, visto de cima, utilizando C e Raylib. Também estou aprendendo Bash pra automatizar tarefas administrativas e me preocupar menos com a manutenção do sistema.
Nesta semana, eu recebi um e-mail de um podcaster, me agradecendo pelo meu guia sobre como fazer o Audio Overload funcionar em Ubuntu. Eu respondi ao e-mail com outras instruções sobre alternativas nativas ao Audio Overload e percebi que isso daria um bom texto pra este site. Então, né? Vamos tentar. Neste texto, eu quero mostrar como fazer o Audio Overload, doravante “AO”, funcionar em MX Linux, o qual é baseado em Debian. Isso deve tornar o guia válido também pra outras plataformas baseadas em Debian, como o próprio Ubuntu e também LMDE. Também quero mostrar alternativas nativas ao AO.
AO é um programa que executa 33 tipos de áudio relacionados a jogos eletrônicos e computadores antigos. A lista vai do AHX do Commodore Amiga até o YM do Atari ST, passando pelo SPC do Super Nintendo, o VGM do Sega Megadrive, e formatos não tão obscuros, como MOD e S3M (embora não SID, XM ou IT). É a porta de entrada pra emulação de áudio dessas plataformas e foi o primeiro programa do gênero que eu usei, quando eu tinha uns dezesseis anos, ainda na época do Windows Vista.
O problema do AO é que ele foi feito compatível com o Open Sound System (OSS), que hoje é quase uma peça de museu pra usuários modernos de sistemas do tipo GNU/Linux. Sistemas baseados em Debian normalmente geram som utilisando Pulseaudio. Isso faz com que o AO, quando executa em um sistema Debian, não consiga encontrar o diretório /dev/dsp, o que resulta em mudez. O programa lança, parece normal, mas não é capaz de produzir nenhum som. Felizmente, o Pulseaudio tem uma ferramenta chamada padsp, que permite a execução de programas compatíveis com OSS sem a necessidade do OSS.
Então, você baixa o AO primeiro e extrai o conteúdo do ficheiro. Supondo que você tenha baixado a versão de 64 bits, a extração resultará numa pasta chamada “AudioOverloadLinux64”. Pegue essa pasta e coloque-a no seu diretório Downloads (é uma pasta que fica junto de Documentos, Música, entre outros). Abra, em seguida, um Terminal novo. Digite no terminal “padsp Downloads/AudioOverloadLinux64/ao”, sem aspas, e aperte enter. Entenda que comandos em sistemas do tipo Unix são sensíveis à caixa, então letras maiúsculas no comando devem ser mantidas. Não adianta digitar tudo em minúsculas ou maiúsculas; é preciso que cada letra no comando seja mantida na caixa em que está (com o D de “Downloads” maiúsculo, bem como o A, o O e o L). O programa deve executar, então, e deve haver som. O comando deve ser repetido em um Terminal novo sempre, mas o processo pode ser facilitado com um script se você for forte e hábil.
Caso você (1) não tenha conseguido com o método acima, (2) precise executar um formato não suportado pelo AO ou (3) não tem saco pra baixar um programa novo, há alternativas nativas. Se você está com um sistema baseado em Debian, você provavelmente tem o Gstreamer instalado. No MX Linux, você tem o VLC instalado também e o Clementine. Vai lá, experimenta. Simplesmente pegue uma música de jogo qualquer em um formato e tente executá-la no VLC ou no Clementine. É tentativa e erro, já que não há uma lista completa de mídias suportadas pelos plugins do Gstreamer. O que eu sei é que, por padrão, o VLC executa AY, GBS, GYM, HES, KSS, NSF, NSFE, SAP, SPC, VGM, VGZ, MOD, XM, S3M, IT, DBM, MED, MID e, com a instalação de sidplay, sidplay-base e sidplayfp, também executa SID. Além disso, outros formatos comuns, como MP3, OGG, WAV e FLAC também executam.
O suporte a todos esses formatos vêm dos plugins do Gstreamer, que são utilizados por outros programas também, com Rhythmbox, Banshee e o Soundconverter (de forma que seria possível converter SID ou SPC pra MP3 ou OGG, por exemplo, mas muito cuidadocom isso, já que as músicas dão voltas por padrão e a conversão pode nunca terminar, tendo que ser abortada manualmente quando “já tá bom”). Então, certifique-se de que os seus plugins do Gstreamer estão instalados. Você pode instalá-los, caso já não estejam, pelo MX Gestor de Software, na aba do repositório “stable”, ou no seu gestor de programas padrão. Os pacotes que você procura são gstreamer1.0-plugins-base, gstreamer1.0-plugins-bad, gstreamer1.0-plugins-good e gstreamer1.0-plugins-ugly.
Captura de tela do Protracker. Foto de Gürkan Myczko. Fonte: Wikimedia Commons.
Uma última palavra em relação ao formato SPC é que o Gstreamer não é capaz de fazer descompressão transparente de RSN. Então, se as músicas que você tem foram baixadas do Snesmusic.org, você terá que extraí-las de dentro do RSN baixado, o que pode ser feito com o descompressor que você tem por padrão. Caso não dê certo, vá ao seu gestor de software e baixe o unrar, aí tente de novo (RSN é apenas RAR com nome chique).
Um outro método é através do Kodi. Instale o Kodi pelo seu gestor de software e abra-o. Através dele, da própria interface, procure dentre os plugins disponíveis um que se chama Modland. Instale-o e execute-o no Kodi através de sua interace e você verá uma barra de pesquisa. Digite o jogo, sistema, autor ou música que você quer e toque-a, não precisa guardá-la no HD. Esse método permite transmitir a partir do servidor Modland qualquer música nele hospedada desde que tal música possa ser convertida em OGG ou MP3 pela Modland Web Interface, hospedada no siteExotica.
O bom deste método é que ele (1) permite que você ouça música sem ter que guardá-la no HD e (2) ele é o único meio que eu conheço que te dá acesso a todos os formatos exóticos do Commodore Amiga, incluindo o fabuloso TFMX, usado em Turrican 2. O problema é que ele depende da atividade tanto do Modland quanto do Exotica. Se houver um problema em qualquer dos servidores, também o método torna-se inútil. Fora isso, ele também não lê subsongs em SID. Além disso, subsongs em formatos como SNDH e AY são tocadas no mesmo arquivo convertido. Então, você não pode avançar a música. Você é obrigado a esperar a primeira acabar pra ouvir a seguinte.
Se você estiver tentando executar um áudio com subsongs, programas que usam Gstreamer podem te deixar na mão, porque o Gstreamer é geralmente compilado sem suporte a subsongs (é quando o arquivo abre e você vê que tem várias músicas em um arquivo só). Se isso é um problema pra você, instale o Audacious, que é um reprodutor de mídia que usa seus próprios plugins, em vez do Gstreamer. Ele tem suporte a subsongs, mas lembre de instalar os pacotes do tipo sidplay discutidos anteriormente, se a emulação de SID for imprescindível. Audacious também não é capaz de descompressão transparente de RSN, então leia os parágrafos sobre o Gstreamer pra saber o que fazer. Outros programas de Linux que podem quebrar um galho são o XMP e o Deadbeef (especialmente bom pra SID).
Uma coisa interessante de mencionar é que você não precisa de um computador de mesa ou de colo pra ouvir esse tipo de música. Se você dispor de um celular com sistema Android, você pode usar o ZX Tune para o mesmo propósito. O ZX Tune também tem a vantagem do Kodi + Modland de que você tem acesso a repositórios de música e uma barra de pesquisa (a qual, a bem da verdade, não funciona muito bem). Então, as músicas não precisam estar em seu cartão de memória ou telefone, se estiverem em um dos múltiplos servidores habilitados por padrão.
Por último, é possível executar programas desenvolvidos em Windows pra esse fim, como o Foobar 2000, o XMP e a combinação Winamp + Chipamp. Pra isso, você precisa antes instalar o Wine, que é o programa que torna possível a execução de programas simples de Windows em um sistema Unix. Baixe o Wine e esqueça-o. Em seguida, baixe o instalador do programa que você quer usar e dê um duplo clique no instalador do programa que você baixou, como faria no Windows, e siga as instruções do instalador.
Uma coisa pode ser um desperdício de bens e recursos e ainda assim ser uma coisa bela.
Outros elementos além da beleza, e que trabalham com ela, influenciam no meu gosto.
O gosto de alguém só se torna objeto de interesse em sociedade.
O conceito de agradável é sempre pessoal.
Embora beleza possa ser inconfundível, o gosto não pode ser censurado como se fosse logicamente errado e como se fosse possível se corrigir.
Se alguém diz que algo é belo, está se pronunciando por todos.
Uma pessoa de bom gosto aprecia a beleza sem necessitar que algo seja adicionado.
É mais fácil ser belo aquilo que é simples, como as cores tomadas isoladamente.
Nada de errado em utilizar atrativos pra realçar a beleza, mas tenha em mente que realçar a beleza não é aumentá-la.
Se deve julgar a beleza por ela mesma, não pelos atrativos adicionados pra chamar atenção pra ela.
Um filósofo e um vulgo podem se apoiar nos mesmos princípios, mas o filósofo conhece o princípio com mais clareza.
A beleza de algo não tem nada a ver com sua função.
É possível uma música sem letra ser bela.
Não existe regra objetiva para determinar o que é belo.
Não há modelo de beleza, mas há objetos belos.
A imagem que exagera características de um modelo é uma caricatura.
Dizer que algo é belo implica a intenção de que outros concordarão que esse algo é belo.
A imaginação não pode ser “livre” e ao mesmo tempo estar em conformidade a uma lei.
Se a imaginação obedece regras, então ela não está comprometida com o belo, e sim com o bom, sendo, portanto, uma fonte de moral, não de arte.
Restringir a imaginação à regras coíbe o juízo com base no gosto.
Se algo não foi feito pela imaginação e não parece representar nada, esse algo dá tédio de olhar.
Uma boa arte é aquela para qual você sempre volta.
O sublime (que causa prazer estético pela potência) é diferente do belo (que causa prazer estético pela harmonia).
Os objetos sublimes (tornado, erupção vulcânica, uma detonação e outros eventos violentos) podem ser mortais.
A beleza pode ser realçada por atrativos.
O sublime é violento.
Há dois tipos de sublime: matemático e dinâmico.
O sublime é absolutamente grande, invocando a ideia de algo sem comparação.
O sublime é um sentimento em nós, não é uma propriedade do objeto sublime (que é sublime no sentido de que ele causa essa sensação).
O sublime nos faz perceber como somos pequenos diante de algo.
Algo é anormalmente grande quando sua grandeza trabalha contra sua natureza.
Não há razão pra crer que o universo é finito.
A sensação de sublime pode advir de objetos que normalmente causam medo.
A estética tem sua função formativa.
Entusiasmo difere de exaltação porque a exaltação é doentia e embaraçosa.
Se isolar por aprimoramento pessoal é diferente de se isolar por ódio ou por timidez.
Algumas pessoas se isolam porque não querem odiar os outros.
Deleite e dor nem sempre são corporais.
Você não deveria dizer que “gosta” de algo só porque todo o mundo gosta.
Não é possível forçar alguém a gostar de alguma coisa.
Dizer que você escreveu um trabalho aclamado pela crítica não garante que eu vá ler e gostar.
Julgar uma sensação implica critérios pessoais intransferíveis.
É ridículo dizer que alguém que tem um gosto diferente do seu tem mau gosto.
Não dá pra fazer uma regra objetiva do gosto.
A arte não dá conceitos, mas mostra exemplos.
Você não pode dizer “é ruim porque eu não gosto”.
Para algo ser universalmente aceito como prazeroso, é preciso que os sentidos de todo o mundo fossem iguais e que todos estivessem em contato com o mesmo objeto ou com um objeto exatamente idêntico.
Preconceito leva ao prejuízo.
Preconceito é um juízo provisório tomado como princípio.
Se o ser humano é um animal social e o gosto é um atributo social, então todos os seres humanos têm gosto.
O gosto só se manifesta externamente se estivermos em sociedade.
Uma inclinação passa a ser admirável na medida em que é publicamente aceita.
As pessoas com sensibilidade à beleza são frequentemente vistas com bons olhos.
Se uma pessoa admira uma flor artificial pensando que é natural e depois descobre que não é natural, pode ser que ela admire a flor de outra forma, como uma bela imitação bem executada.
As cores do arco-íris: sublime vermelho, audaz laranja, franco amarelo, amável verde, modesto azul, constante anil, tenro violeta.
O branco seria a inocência.
Arte é qualquer técnica pra produzir algo que a natureza não produz sozinha.
A arte precisa ser produto da liberdade, sendo a liberdade uma consequência da razão.
Arte não é ciência.
Se você produz algo por dinheiro, está desempenhando um ofício.
Não se faz ciência da arte, mas crítica de arte.
A ciência sem arte é inútil.
A função da arte como arte estética é dar prazer estético.
Algumas músicas só servem mesmo pra eliminar o silêncio das festas.
“Gênio” é uma disposição do ânimo, caracterizada por grande originalidade artística, que não parece ser adquirida (talento natural).
O gênio é o professor, os outros são alunos.
O gênio é uma força da natureza.
Para ser considerado gênio, a pessoa deve ser capaz de originalidade.
Se você não tiver originalidade, aprender a desenhar, escrever ou compor não vai te tornar um bom desenhista, escritor ou músico.
Não é possível ensinar a ter inspiração.
Todas as artes visam um fim.
Um artista genial, mesmo sendo original, não precisa prescindir de todas as regras da arte pra assegurar sua originalidade.
Não é preciso ser artista pra apreciar arte.
A arte pode representar de maneira agradável coisas que são horríveis na natureza.
A arte pode representar coisas abstratas (a guerra, por exemplo) como se fosse físicas (um anjo de vermelho usando uma espada).
Faz parte da habilidade artística exprimir conceitos (ideias) de maneira inusitada.
O artista pode aprender de outros, bem como pode aprender da natureza.
O artista, enquanto trabalha sua arte, utiliza seu gênio e também seu gosto, para que ele possa saber se está ficando agradável ou não.
É possível gostar do que não é belo.
É possível que alguém produza algo que é agradável sem ser original, bem como é possível fazer algo original e desagradável.
Uma bela arte precisa de “espírito”, isto é, precisa ser capaz de incitar emoções.
O gênio funda uma escola de arte, mesmo que não seja uma instituição com prédio e mensalidade.
Mas o aluno precisa ter alguma originalidade.
Quatro habilidades são necessárias às belas artes: imaginação, entendimento, espírito e gosto.
Uma pessoa de visão perfeitamente sadia pode não ver o que o outro vê em um quadro.
Continuando sua referência a Sexto Empírico, Kant diz que a oratória, como arte de convencer, não é adequada aos tribunais e nem às igrejas, porque falar bem não é sinônimo de ter razão.
Mesmo quando visa bons fins, a retórica ainda é um truque sujo.
A retórica pretende tornar um ponto de vista mais aceito cutucando as emoções do ouvinte, para que ele não raciocine como devia sobre o que está sendo dito.
A matemática, na música, tem a função de fazer as partes (melodia, ritmo e pulso) concordarem entre si.
Se você não quer ser influenciado por uma pintura, basta olhar em outra direção ou fechar os olhos, mas fugir da música é mais difícil.
Mais difícil de escapar da música é escapar de um perfume.
Três coisas que tornam a vida tolerável: o sono, a esperança e o riso.
Não dá pra fazer ciência do nosso próprio gosto.
Descrever não é demonstrar.
Há três faculdades do conhecimento: entendimento, razão e juízo, as quais podem chegar à conclusões diferentes.
Não é possível fazer ciência da beleza.
A sociedade perfeita só é possível se os filósofos conseguirem se comunicar com os leigos.
A admiração não diminui com o tempo. Já a estupefação só ocorre enquanto há novidade.
“Sentimentalismo” é a tendência a experimentar emoções ternas com mais frequência ou intensidade, mesmo quando não há realmente um objeto que as incite.
O que diferencia a religião da superstição é que na religião há medo, mas também há admiração pela divindade.
Pra saber se algo é bom, é preciso conceito, saber o que a coisa é, mas para saber se algo é belo, não há necessidade de conceito, basta ver, ouvir, sentir.
Bom não é agradável.
Gostar de todos é gostar de nenhum.
Quem está faminto come qualquer coisa.
Por causa disso, só é possível ter “gosto” (preferência) quando não estamos passando necessidade.
No último fim de semana, eu estava ouvindo o de sempre, e uma música estranha cheia de caracteres japoneses apareceu nos vídeos sugeridos.
O nome Macintosh apelou a mim. Pensei que fosse uma ou mais músicas feitas com um computador antigo e, no começo, pareceu que fosse um tipo de sequência ou música com amostras de baixa profundidade. Mas, conforme a música progredia, a profundidade das amostras aumentava e ficou claro que a música não era feita em um computador antigo como eu pensei, mas eu continuei ouvindo.
Muito boa a música. Porém, algo parecia errado ou, ao menos, diferente. A música repetia partes suaves com frequência quase nauseante e eu comecei a me sentir extremamente calmo. Além disso, da metade pra lá, o cuidado na concatenação de amostras começa a desaparecer, como se fosse um disco arranhado. De repente, no final, como se eu já não estivesse calmo o bastante, uma amostra da música em andamento consideravelmente mais baixo foi sobreposta à faixa principal, que começou a desaparecer em favor da amostra lesada. De repente, tudo ficou muito devagar, quase depressivo, e eu fui deixado com uma sensação formigando ao longo de todo o espírito.
Repeti a música o dia inteiro por dois dias e, quando fui pra aula de monografia, eu estava em uma profunda tranquilidade. Meu humor estava constantemente calmo e nada me perturbava. Foi radical.
Depois, pensei em procurar mais sobre aquela música e essa tal Macintosh Plus e vi que se tratava de um gênero da nova década de dez chamado vapor-wave e que, para alguns, tem conotações anti-capitalistas, embora isso pareça ser desmentido por autores do próprio gênero. A acusação de conotação anti-capitalista, embora não necessariamente comunista ou socialista, vem da estética construída ao redor da música, que é reminiscente dos anúncios utilizados nos anos oitenta e noventa, mas oferecidas de forma desagradável, como se o progresso econômico fosse desagradável. Isso aliado ao uso de amostras de músicas antigas editadas para tornarem-se deprimentes e desconfortáveis parece sugerir que os artistas estão dizendo: “as promessas feitas pela economia não se cumpriram e nunca estivemos tão infelizes, basta comparar o que se professava no passado com o que temos agora.” Mas essa é uma opinião que não é partilhada por todos, o que inclui a própria Macintosh Plus.
Há alguns anos, um dos meus amigos veio aqui em casa para passar um dia comigo. Nós jogamos um bocado no Playstation 2 que tínhamos aqui. A principal atração, contudo, foi nossa noitada jogando um emulador de Mega Drive feito por fãs para Playstation 2. No meio do nosso jogo, encontramos o tal Rocket Knight Adventures, um jogo pelo qual me apaixonei.
Depois que meu colega foi embora, o Playstation 2 foi guardado e não pude mais jogar. Até eu resolver usar um emulador no meu computador para me dar ao luxo. Os emuladores de Mega Drive disponíveis no repositório do Ubuntu eram complicados (Mednafen) ou imprestáveis (os outros), então eu procurei por algo feito por terceiros. Assim descobri o Regen. Dei dois cliques e o negócio começou a funcionar, com nível de Snes9x, outro emulador que eu usava na época. Terminei Rocket Knight Adventures no Regen e não me arrependo de ter entrado em contato com a música daquele jogo.
Esses dias, Apple me mostrou um personagem de um jogo chamado Shining Force 2. O personagem parece uma pequena tartaruga ou lagartixa encouraçada com uma barriguinha amável e bem alimentada. Ai, ai, que pecado. Eu resolvi que jogaria só pela emoção de jogar com aquela criatura fofinha. Mas, como vocês já sabem, agora estou usando o Linux Mint Debian Edition 64-bit Cinnamon Edition, isto é, não é Ubuntu.
Peguei o Regen e tentei executá-lo aqui, mas nada aconteceu. Eu tentei executá-lo pelo Terminal para saber o que estava errado e descobri que ele estava tendo dificuldade em achar o arquivo “libgtk-x11-2.0.so.0”. “Certo, ele está com dependência faltosa, posso resolver isso”, pensei, com meu pensamento ainda um pouco nublado pela doce barriguinha da tartaruga. Aprendi na Internet o comando “apt-file search”, que me permite procurar por arquivos específicos dentro de pacotes não instalados, para saber em que pacote está libgtk-x11-2.0.so.0. A resposta era: no pacote “libgtk2.0-0”. Daí, abri meu gerenciador de pacotes e procurei pelo tal libgtk2.0-0, mas… ele já estava instalado.
Dando uma olhada no apt-file, eu pude ver que o arquivo libgtk-x11-2.0.so.0 instala no diretório /usr/lib/x86_64-linux-gnu/ e aí a resposta me acertou na face como xixi de bebê durante a troca de fralda. Na época do Ubuntu, eu usava um sistema 32 bits, com bibliotecas 32 bits devidamente instaladas, mas agora estou de 64 bits. De fato, “x86_64-linux-gnu” é um diretório cheio de objetos de 64 bits que não fazem sentido para uma aplicação de 32 bits, que parecia ser o caso do Regen. Alguém pode ter ficado preocupado até agora com a possibilidade de ter de recompilar o Regen para apontá-lo ao diretório correto, mas esse não é o caso: mesmo que eu apontasse o Regen para o diretório /usr/lib/x86_64-linux-gnu/, ele não poderia usar nada contido lá, por ser um programa de 32 bits, com capacidades limitadas.
Pensei um pouco. “Talvez o diretório certo não tenha sido criado”, passou pela minha cabeça, pois eu pensei que instalar algo de 32 bits através do APT poderia criar o diretório. Só que esse diretório já existia, porque o Wine já instala bibliotecas de 32 bits, eu só não sabia onde o diretório estava. Não era a solução certa, mas me deu uma ideia: e se eu, deliberadamente, instalasse dependências de 32 bits? Isso pode ser feito.
No repositório, programas e bibliotecas de 32 bits têm uma extensão “:i386” no nome. Então, em vez de instalar libgtk2.0-0, instalar “libgtk2.0-0:i386”. Instalei e tentei usar o Regen novamente. Agora, ele acusava a falta de um arquivo chamado “libXv.so.1”. Eureka! Isso significa que a primeira dependência havia sido satisfeita e que meu raciocínio estava correto afinal! Eu só precisava instalar as outras dependências e logo eu estaria saboreando aquila suculenta barriguinha…
Após instalar todas as dependências (libgtk-x11-2.0.so.0, libXv.so.1, libasound.so.2, libSDL-1.2.so.0), Regen funcionou, embora com uma interface meio feia. Inobstante, comecei a jogar Shining Force 2. Aprendi várias coisas hoje:
Regen é um programa de 32 bits.
Eu posso procurar por arquivos avulsos em pacotes não instalados usando o comando “apt-file search” seguido do nome do arquivo.
Programas de 32 bits instalados pelo APT satisfazem dependências como 32 bits, mas as dependências ainda precisam ser instaladas manualmente se eu arrumar o programa por fontes fora do repositório.
As dependências do Regen pertencem aos pacotes libgtk2.0-0:i386, libxv1:i386, libasound2:i386 e libsdl1.2debian:i386, que podem ser instalados pelo Gerenciador de Aplicativos.
Li em algum lugar que existe um debate flamejante entre jogadores e desenvolvedores de video-games a respeito da possibilidade de jogos eletrônicos serem um tipo de arte. Como precisava de conta pra comentar, esperei ter tempo e disposição para colocar o que penso a respeito do assunto em português, neste diário. Não acredito que jogos eletrônicos sejam arte.
Antes que alguém fique nervoso, não sou nenhum cara de quarenta anos prestes a falar da juventude de hoje. Tenho vinte e um e jogo video-games desde a Terceira Geração (Nintendo Entertainment System). Meu console mais recente é da Sétima Geração (Nintendo Wii). Já joguei outras plataformas ao longo das gerações de jogos eletrônicos que parecem durar cada vez menos, então acho que estou em posição de dar meu julgamento sincero quanto a treta.
Video-games são feitos principalmente de dois elementos fundamentais que não podem, absolutamente, ser separados um do outro: gráficos (video) e diversão, proporcionada pela programação (game). Sem gráficos, temos um programa ordinário e, sem programação, temos uma animação ou imagem estática. Existem outros dois elementos opcionais que podem fazer um jogo ruim ser um jogo melhor: música e trama.
Arte é a técnica empregada com finalidades estéticas. Quando se visa a beleza e a suscitação de prazer estético num receptor qualquer, está se fazendo arte. Quando se visa alguma outra coisa, não se está, embora o produto possa suscitar prazer estético no indivíduo por acidente.
Será que um jogo pode ser considerado arte por causa dos gráficos? Não, porque os gráficos são, em si, uma arte; gráficos suscitam, independente do resto do jogo, o prazer estético visual. O artista digital, ao modelar uma figura em três dimensões usando programas, está visando fazer uma boa arte, capaz de suscitar num indivíduo uma sensação específica. Não raro, é o deleite visual. Jogos, hoje em dia, têm muito poderio gráfico, as imagens são belas, detalhadas, uma verdadeira obra de arte. Mas mesmo que gráficos sejam arte, gráficos não tornam o jogo uma arte em si. O jogo ainda pode ser considerado uma caixa contendo os gráficos que serão admirados em separado ou em interação uns com os outros. Prova é que os mesmos gráficos, abstraídos do jogo, ainda causam prazer naquele que vê.
Será que um jogo pode ser considerado arte por causa da programação? Também não. Porque o programador de video-games não visa estética. Não raro, o programador apenas faz o que o artista digital pede que ele faça, por exemplo, que certa linha de código chame um determinado efeito (desenvolvido pelo artista digital) quando certos elementos, como sprites, entram em interação. Nesse caso, o programador é relegado ao papel de assistente do game designer, do artista digital, do músico ou do roteirista, trabalhando tal como trabalha o contra-regra de um filme. O que não significa que a programação com finalidade estética não seja uma arte em si. Quando o programador tem em mãos ferramentas, mesmo que feitas por outra pessoa, e usa suas perícias para dar um significado artístico a tais ferramentas, temos programação artística, uma arte. Um exemplo seria a execução de código arbitrário em Pokémon Yellow. O programador não estava meramente seguindo os parâmetros estipulados por um outro artista, ele tinha um papel principal que era o de fazer algo novo com gráficos já existentes e trabalhou inteiramente por conta própria na resignificação de elementos que sempre estiveram ali. Tudo isso com a função de incitar prazer estético naquele que vê. O programador de jogos eletrônicos tende ao segundo plano, infelizmente, visto que seu trabalho é provavelmente o mais difícil, e tem como função simplesmente “colar” os outros três elementos enquanto mantém um olho na diversão. Ele não visa prazer estético, ele visa eficiência, eficácia. Talvez não seja um artista, mas é certamente um técnico. Mas se o trabalho fosse invertido, se o artista digital visasse apenas eficiência e eficácia, facilidade, e o programador estivesse à cargo de fazer algo belo com gráficos feitos sob essas condições, o programador seria o artista.
Alguém pode perguntar-se se a diversão faz do jogo uma arte. Ainda assim não faz: a diversão visa outro tipo de prazer que não é o prazer estético. É o prazer lúdico. A Monalisa não tem botões. A única interação que se tem entre obra de arte e pessoa é de ordem espiritual, enquanto que, no prazer lúdico, é de ordem material. No lúdico, temos a interação entre nós e os elementos do jogo visando principalmente a vitória. De acordo com um artigo no site do Game Maker, o “jogo” em que nada específico é exigido do jogador (e, portanto, que não tem a vitória como objetivo concreto) é um brinquedo e não um jogo. Isso põe no balaio do brinquedo qualquer jogo como GTA, The Sims e toda trupe de jogos de computador em que “você faz seu objetivo”. No caso da Monalisa, o prazer advém da contemplação enquanto que no lúdico tem-se a interação material. Não tem como você parar para contemplar algum aspecto estético do jogo se você está tentando perceber um modo de pegar o item que está fora do alcance do seu pulo, calculando a possibilidade chegar ao próximo save point tendo apenas duas balas na sua pistola e nenhum item de cura, ponderando uma possível fraqueza ou padrão nos ataques de um chefe ou pensando aonde vai a próxima peça de Tetris.
Será que um jogo pode ser considerado arte por causa da música? Nem assim. Novamente, a música é uma arte que subsiste por si. Se ela acompanha um jogo, não faz dele uma arte, embora seja uma parte integrante do jogo. Isso porque a música pode, por si só, suscitar prazer estético num indivíduo mesmo quando separada do jogo, afinal a música é uma arte muito mais velha que o Atari 2600. Embora a música, com os gráficos e a trama, ajude a imergir o jogador em seu jogo, a atmosfera não é exatamente uma arte também. Mesmo que fosse, seria principalmente composta de gráficos, música e trama que são artes subsistentes em si. A música então seria outro elemento dentro da caixa do jogo que, apesar de operar com jogo, pode muito bem brilhar sozinha, sem por isso tornar o jogo uma arte. Tanto que existem comunidades devotadas a extrair música de jogos eletrônicos para partilhá-lhas fora de seus contextos, sem que elas percam seu potencial de tocar o ouvinte.
Será que um jogo pode ser considerado arte por causa da trama? Não, sendo que trama é uma história e, portanto, literatura. As oitocentas páginas de texto extraído de MOTHER 3 para tradução são um verdadeiro livro aberto. A trama, com seus propósitos, personagens, desenrolamentos, locais, tempos e razões se enquadra no gênero literatura. Ela pode brilhar sozinha também, já que você pode aproveitar a trama de um jogo sem jogá-lo, simplesmente assistindo outro indivíduo a jogar.
O jogo eletrônico, assim, não é arte, embora programação, gráficos, música e trama por vezes o sejam. Isso porque a principal função de um jogo como um todo é divertir. O jogo que não se compromete com a diversão é um mau jogo. Você pode forçar um jogo a tornar-se arte realçando os seus elementos artísticos em detrimento da diversão, mas isso invariavelmente tornaria o jogo uma mera cópia do cinema, exceto que talvez teria uma ou duas QTAs. E estas são as razões que tenho para desqualificar um jogo (pelo menos um bom jogo) como uma obra de arte, embora seus elementos literários, visuais e acústicos certamente o sejam em separado e realcem o prazer lúdico do jogo ao mesmo tempo que provêem, separadamente e independentemente, prazer estético.
Isso não significa que jogos são entretenimento de segunda classe, negativo. Jogos são um veículo indispensável para refinar o gosto estético daqueles que jogam, que entram em contato com cenários assombrosos, tramas bem feitas e música tocante, embora o principal objetivo do jogo seja divertir quem joga. E é isso que faz o jogo ser um jogo, o foco no prazer lúdico. Um jogo é ruim na medida em que se afasta desse objetivo principal.