Pedra, Papel e Tesoura

31 de dezembro de 2021

Essencial do Sócrates.

Filed under: Passatempos, Saúde e bem-estar — Tags:, , — Yure @ 15:11

Antigamente, os estudiosos soiam dividir a história da filosofia em antes e depois de Sócrates. Isso deve ilustrar a importância do pensamento socrático. É que antes de Sócrates, a filosofia estava interessada principalmente em questões físicas e naturais, coisas que hoje são estudadas pelas ciências da natureza. Você tinha gente como a escola jônica, que queria descobrir qual é a essência da matéria; os eleatas, que se deburçavam sobre o problema da realidade do movimento, se ele era fato ou ilusão; os mobilistas, interessados na natureza da mudança… Coisas como ética e política eram temas, no máximo, tratados marginalmente.

É aí que entra Sócrates. Ele traz pra filosofia os problemas humanos, que hoje são estudados não apenas pela filosofia, mas também pelas ciências humanas. Foi com Sócrates que os “negócios humanos” começaram a ter tratamento central, dando à filosofia a cara que ela tem hoje. Sócrates gostava de usar seu exemplo como ferramenta pedagógica, deixando que sua vida fosse sua obra. Por essa razão, ele não escreveu livro nenhum, e a maioria dos registros que temos de sua filosofia nos vem de Platão, seu aluno, ele próprio um usuário da lógica dialética.

Em termos históricos, Sócrates foi filho de um escultor e de uma parteira e se destacou na carreira militar antes de se dedicar à filosofia. Seu método consistia no que ele chamava de maiêutica, que consistia em simplesmente fazer perguntas direcionadas, a fim de que o interlocutor pudesse, “sozinho”, chegar a uma verdade qualquer. Esse método tem duas vantagens: primeiro, ele te poupa de passar vergonha, porque é mais fácil passar vergonha expondo uma ideia do que perguntando; segundo, é mais fácil levar uma pessoa aos seus limites através de perguntas, pois elas testam o quanto a pessoa realmente sabe daquele assunto.

Esse método de argumentação atraiu a ira dos poderosos sobre Sócrates, porque ele mostrava que os políticos, poetas e artesãos de sua época não sabiam sobre seus próprios ofícios tanto quanto afirmavam saber, o que reduzia seu crédito diante da população leiga. Assim, para acabar de vez com esse incômodo, resolveram acusar Sócrates de corromper a juventude e de ser ateu. A coisa foi acabar no tribunal popular e Sócrates foi, por uma margem pequena de votos, condenado à morte.

Ignorância.

Antes de Sócrates, o foco da filosofia era a natureza, com os “negócios humanos” sendo uma preocupação secundária. Com os sofistas e com Sócrates, a filosofia passa a se preocupar com a ação humana. Podemos então dizer que a filosofia socrática é humanista (o chamado “humanismo socrático”). Ele discorreu sobre um número de problemas: a ignorância, o autoconhecimento, metodologia, a morte, entre alguns outros.

Sobre o problema da ignorância, Sócrates foi apontado pelo oráculo como o homem mais sábio da cidade. Só que Sócrates se achava ignorante. Como ele poderia ser, então, o homem mais sábio da cidade? Será que o oráculo se enganara? Ele então saiu pra falar com os políticos, com os artesãos e com os poetas.

Com os políticos, Sócrates tentou ter uma conversa. Mas, quando ele começou a fazer perguntas aos políticos, perguntas sobre suas próprias opiniões, ele percebeu que os políticos nem sempre sabem o suficiente sobre suas próprias posições e sobre aquilo que eles mesmos defendem. Ele então se voltou aos poetas. Os poetas produziam ótimos textos e peças, então eles deveriam ser sábios. Só que Sócrates rapidamente se decepcionou com eles, porque os poetas com quem ele conversou não conseguiam explicar suficientemente aquilo que eles próprios haviam escrito. Por último, conversando com os artesãos, Sócrates percebeu que muitos deles, por perceberem que eram bons no ofício que desempenhavam, também se achavam entendedores de assuntos que não haviam estudado, como a política.

Foi então que Sócrates entendeu o que o oráculo quis dizer: Sócrates era o único na cidade ciente de sua própria ignorância. Todos os outros achavam que sabiam o suficiente e que não precisavam aprender mais nada. Isso é ruim porque impede a pessoa de se corrigir. Afinal, se ela já se sente “certa”, não procurará mais aperfeiçoamento e nem se depurar de seus próprios erros. É justamente porque Sócrates tinha ciência de sua ignorância que ele estava disposto tanto a abandonar seus próprios erros quanto também estava disposto a buscar mais conhecimento. Essa possibilidade de se aperfeiçoar, que só pode vir da ciência da própria ignorância, era a única coisa que tornava Sócrates o homem mais sábio da cidade.

A moral da história é que você deve sempre admitir a própria ignorância, a fim de possibilitar o próprio aperfeiçoamento, pois quem já acha que sabe de tudo nunca vai se corrigir (e é esse o pior tipo de ignorante).

Mas aí, surge um dilema: pode um ignorante ensinar algo a alguém? É possível. Quando um ignorante pergunta algo a você, claro que a pergunta instigará você a responder. Se você não souber a resposta, você se torna ciente de que não sabe aquilo, o que te estimula a ir atrás da resposta, se é que aquilo é importante pra você. Para produzir este efeito, porém, é necessário fazer as perguntas certas, as que tenham maior probabilidade de fazer o sujeito pensar.

O autoconhecimento.

Tinha esse menino com aspirações políticas, Alcibíades. Ele amava Sócrates. A ponto de ser embaraçoso. Alcibíades queria muito ser governante algum dia. Então Sócrates perguntou a ele o que é necessário para ser governante. Após um diálogo, eles concluem que o bom governante deve manter o povo no melhor estado possível e buscar o aperfeiçoamento dos súditos. Mas só é possível fazer isso se você conhecer o que é o homem.

Se você não sabe o que é o ser humano, não saberá o que fazer nem para aperfeiçoá-lo nem para conservá-lo. Uma pessoa dessas não apenas está inapta a governar a própria vida, como também está inapta para governar outros seres tão humanos quanto ela própria. Assim, qualquer pessoa que almeje uma posição de poder precisa, impreterivelmente, conhecer a condição humana. Conhecer a si mesmo naquilo que você tem de comum com os outros (sua humanidade, que é a essência do ser humano) é o primeiro passo pra ser capaz de governar e aperfeiçoar a si próprio e também aos outros. Sem isso, você será um mau administrador da sua própria vida e também da dos outros, caso chegue a uma posição de poder.

Mas como conhecer a si próprio? Segundo o próprio Sócrates, você conhece seu corpo se olhando no espelho, mas só pode conhecer a própria alma se vendo refletido em outro. Conhecer o gênero humano requer que você se veja nos outros, usando os olhos deles como espelhos pra ver a própria alma. Observe que isso é uma analogia, não algo literal. O que ele está querendo dizer é que conhecer o gênero humano e, portanto, a nós mesmos, requer a vida comunitária. Você não vai conhecer o gênero humano se isolando ou se achando bom demais pra participar do convívio com os outros.

Sabendo o que é o homem, você saberá o que é melhor para eles e como melhorá-los. Esse seria o melhor tipo de governo: aquele que não apenas governa súditos, mas também os aprimora. A pessoa que não sabe o que é o homem também não sabe o que é melhor pro gênero humano, pra si própria e nem pros outros, sendo um péssimo adminstrador até da própria vida.

A morte.

Como aprendemos, Sócrates foi condenado à morte, mas ele não sentia medo da morte. É que Sócrates afirmava que a morte só pode ser uma de duas coisas: um longo sono sem sonhos ou a ida da alma para outro lugar.

Suponhamos que o primeiro caso esteja correto. A morte seria, então, uma cessação da sensação. Não seria diferente de dormir. Todos nós dormimos e ninguém acha isso ruim. Então, por que a morte seria tão ruim assim? Por outro lado, se o segundo caso estiver correto, então não há o que temer, já que a vida continuaria após a morte. A morte seria, então, um ato nulo. Em ambos os casos, porém, a morte é uma dor para os vivos, nunca para o que morre. Não há por que ter medo de morrer.

Com isso, Sócrates zomba da pena de morte. Se a morte não é um mal, a pena de morte só é realmente uma “pena” pra quem é ignorante e não sabe que a morte não é a pior coisa que existe.

Recomendações.

Obviamente, é preciso sempre recomendar o autoaperfeiçoamento. Fala-se muito que Sócrates dizia pra nos conhecermos a nós mesmos, mas ele não falava isso apenas para que parássemos aí. No contexto do Alcibíades I, o objetivo do autoconhecimento é o autoaperfeiçoamento, primeiro como indíviduo, mas também como espécie.

Além disso, também precisamos admitir a nossa própria ignorância diante daquilo que não sabemos, em vez de querer manter as aparências, o que poderá causa embaraços. As pessoas fazem isso porque temem a vergonha de parecerem ignorantes. Mas reconhecer a própria ignorância é o primeiro passo pra aprender. Ora, aprender não é motivo de vergonha. Além disso, ao discorrer sobre o que não se conhece a fundo, você estará prejudicando o ouvinte que lhe presta fé.

Por último, investir em meios de superar o medo da morte é útil para tempos em que seja necessário tomar decisões radicais, como a guerra, a fome ou pandemias. Não estou dizendo pra nos expormos aos riscos, pois isso seria imprudente. Mas mesmo uma pessoa que não teme a morte entende a importância, no caso da pandemia, de não contaminar os outros e que, mesmo que a morte não deva ser temida, a vida é um estado certamente superior. Não obstante, perder o medo da morte impede que soframos (de angústia ou ansiedade) mesmo sem estarmos fisicamente doentes.

6 de junho de 2021

Acerca do relatório da Unicef sobre pornografia.

Graças aos meus parentes leais, notei, há alguns dias, que um relatório da UNICEF sobre pornografia foi publicado, que aborda a questão da exposição das crianças à pornografia. O relatório diz que evidências de danos em crianças que consomem pornografia são inconclusivas. Diz que a maioria das crianças não é prejudicada ou traumatizada pela exposição à pornografia e que exigir que as pessoas sejam “maiores de 18 anos” para consumir pornografia pode ser uma violação dos direitos humanos das crianças. Claro, você pode imaginar o que aconteceu depois. Enquanto o UNICEF mostra um estudo realizado com várias crianças na Europa, apoiando suas reivindicações com fatos e números, incluindo o número de 39% das crianças espanholas que se sentiram “felizes” depois de consumir pornografia, os haters usaram alegações degradadas, como “pornografia é prejudicial para adultos, muito mais para crianças!” para desqualificar o relatório. Esse é o tipo de argumento que você esperaria das associações que atacaram o Pornhub há alguns meses. Eles discutem não com fatos, mas com emoção, tomando o dano como garantido.

De qualquer forma, a UNICEF recuou, mudou um pouco o texto e o transformou em um rascunho, mas não mudou suas principais alegações: não há evidências conclusivas de que a pornografia seja prejudicial para crianças. Tenho três coisas a dizer sobre este relatório, as quais acho bastante interessante.

Definição de “criança”.

No Brasil, há uma distinção muito sensata entre criança (0 a 11 anos) e adolescente (12 a 17 anos). No entanto, parece que a UNICEF não faz tal distinção. Para eles, você é uma criança desde que tenha menos de 18 anos. Isso é importante, porque quando esses grupos anti-pornografia fazem tais ataques, eles enfatizam a primeira categoria, 0 a 11. Mas, quando você considera que há pessoas na amostra que têm 17 anos, todas as reivindicações no relatório começam a fazer sentido. Talvez, se você controlar a idade, você perceberia que a pornografia pode ser prejudicial para uma determinada faixa etária e não para a outra. Pense nisso: um garoto de 17 anos, que está a um ano de ser um homem adulto, realmente se sentiria “triste” ou “traumatizado” assistindo pornografia?

Essa é uma das grandes consequências do uso de “criança” como uma definição geral para pessoas com menos de 18 anos. Você agrupa pessoas que têm 7 e 17 anos, como se fossem iguais. Não acho problemático permitir que adolescentes (novamente, de 12 a 17 anos) assistam pornô. Não posso dizer diretamente para fazê-lo, mas seria bom ter leis nesse sentido, não para proibir, mas para permitir que eles consumam tais mídias. Não estou trollando. Seja honesto comigo e consigo mesmo. Quantos adolescentes você suspeita estar assistindo pornô agora? Mas esses adolescentes estão universalmente doentes ou se sentem horríveis?

Direitos humanos.

A melhor parte do relatório é que eles admitem que impedir “crianças” (que podem muito bem ser adolescentes) de acessar pornografia pode ser uma violação de seus direitos humanos. Se isso for verdade, não há muito que possa ser feito: países que implementam a ideia de direitos humanos terão que gradualmente relaxar as restrições à pornografia. Isso, ou abandonar os direitos humanos. Isso permite que crianças ou adolescentes contestem legalmente, no campo dos direitos humanos, qualquer tipo de restrição nesse sentido. Precisamos rever o relatório, tomar nota de quais direitos estão sendo violados e nos preparar para questionar as restrições. Se pressionada, a UNICEF terá que nos dar uma resposta. Como parte das Nações Unidas, espera-se que respeite seus próprios padrões.

Grupos anti-pornô e sua retórica.

Deve-se ter em mente que esses ataques ao relatório da UNICEF vêm do mesmo tipo de grupo que vem trabalhando, desde o século passado, para tornar o mundo um lugar mais puritano. Essas pessoas têm um plano, provavelmente cristão. Nada contra o cristianismo, mas, na realidade, é realmente estúpido que outros interfiram em nossa liberdade. Fé é algo de dentro, na verdade. Eu acredito que você deve cuidar de sua própria salvação, não da salvação dos outros. Além disso, os argumentos não são sólidos. A UNICEF usou estatísticas matemáticas, não opiniões. Você não pode discutir com fatos. Quem sabe? Talvez seja hora de mudar a forma como avaliamos esse problema. Qual seria o problema em fazê-lo?

Uso da causa infantil para promover o conservadorismo.

Para dar um caldo a este texto, vou citar algo da Internet. Está apenas um pouco relacionado a este tópico, mas eu sinto a necessidade de lembrar o leitor dos perigos de confiar em grupos anti-pornografia.

No início desta seção, analisamos o caso do projeto de lei anti-pornografia proposto por políticos religiosos. Esse projeto de lei foi justificado pelo discurso de proteção da sexualidade adolescente (fomento a relacionamentos saudáveis). Mas poderia muito bem ser uma tentativa de cristianizar a sexualidade adulta. Se isso for verdade, e se a “proteção da juventude” for usada como desculpa para colocar obstáculos no caminho da sexualidade adulta, a alegação de Robinson seria comprovada: a proteção de crianças e adolescentes é um dispositivo usado para causar medo de um certo discurso, a fim de capitalizar sobre esse medo para ganho político. 615 Em outras palavras, uma desculpa. Essa estratégia é utilizada quando a forma de pensar e agir de uma sociedade é desafiada por forças externas (como a globalização) ou internas (mudanças políticas). Para preservar a forma de existência de uma sociedade, às vezes é necessário estimular o medo da mudança. É assim que discursos moralistas e protecionistas encontram convergência: o fenômeno transgênero é atacado porque representa um risco para as crianças, a homossexualidade é atacada, porque representa um risco para as crianças, a pornografia é atacada porque representa um risco para as crianças, as práticas sexuais toleráveis são atacadas porque representam um risco para as crianças, entre outras. 616 Não se trata de proteger as crianças, mas de promover uma agenda particular que encontraria resistência sem usar essa retórica.

Essa agenda é conservadora, que visa manter a forma dominante de pensar e agir, também chamada de “boa moral”. 617 Incitar o medo do diferente é uma tática de ordenação social. 618 A proteção à criança é apenas um instrumento, a “face” do movimento, não seu objetivo. Tanto que tais políticas podem ser prejudiciais para as crianças a longo prazo. 619 Além disso, distraem os adultos de outros problemas graves que afetam as crianças: as mesmas pessoas que empurram uma agenda de “proteção moral” à criança são as mesmas pessoas que favorecem cortes na educação e na saúde, que afetam as crianças mais que a expressão sexual. 620 A ênfase no problema moral dos jovens nos distrai das necessidades materiais dos jovens: estimular e possibilitar desigualdade social, pobreza, degradação ambiental, má escolaridade, saúde precária e violência, todas essas coisas afetam menores. Portanto, é abuso infantil, embora não seja abuso sexual. 621 […]

Este projeto de lei, com tal justificativa, demonstra que a pornografia é atraente tanto pelo seu valor como ferramenta para facilitar a masturbação quanto para satisfazer a curiosidade sexual natural de jovens que regularmente buscam, encontram e consomem pornografia para ambos os fins. 623 Também mostra que a regulação sexual para bloquear a expressão sexual de adultos pode parecer uma regulamentação protetora. Usando a retórica de proteção à criança como justificativa, a regulação sexual é menos criticável. Portanto, interferir na liberdade sexual dos adultos pode ser aceitável se usarmos a proteção infantil como desculpa para isso. Além disso, o fato de adolescentes e talvez crianças consumirem pornografia não é suficiente para garantir que esse fenômeno seja atacado, uma vez que, por si só, não garante que crianças e adolescentes sofrem por exposição à pornografia. Afinal, se eles sofressem, não procurariam esse material e não discutiriam isso entre si de uma forma tão alegre. 624

Como vimos, leis originalmente projetadas para proteger nossos menores podem se voltar contra eles na forma de uma incidência crescente de crimes sexuais que podem até vitimizá-los. Mais do que isso, o discurso de proteção pode ser usado como máscara cínica para a implementação de políticas que promovam a censura e ataques a outras liberdades. 625 Vimos isso no debate sobre o projeto de lei anti-pornografia, mas também vimos esse fenômeno na tentativa das Nações Unidas de abandonar o termo “pornografia infantil” em favor do termo “material de abuso sexual infantil” e, além disso, incluir nesta categoria desenhos que nem sequer representam crianças reais. Novamente censura, novamente sem vítimas à vista. Estudos sugerem que a presença de pornografia não aumenta as taxas de crimes sexuais, mas se correlaciona com uma redução na frequência de crimes sexuais: pelo menos no caso do Japão e da República Tcheca, as taxas de criminalidade sexual diminuíram no período pós-legalização de vários trabalhos pornográficos antes considerados obscenos demais para serem distribuídos, incluindo desenhos eróticos e caricaturas. 626

Este exemplo ilustra perfeitamente os três pontos abordados nesta seção: a aplicação da censura, o uso cínico da causa da proteção à criança e o dano a longo prazo que poderia resultar de tal decisão. O pior é que essa tática é empregada pelas próprias Nações Unidas. É importante lembrar que nossa sociedade, que não tolera esse tipo de imagem, é a mesma sociedade que prefere a mídia que mostra violência: um jornal evangélico holandês defendia encher a programação de televisão vazia com filmes violentos para evitar a oportunidade de exibir filmes eróticos. 627 Em vez de defender os jovens da pornografia, devemos defendê-los da reação exagerada dos adultos e de seus esforços para impedir que os jovens entrem em contato com a sexualidade, mesmo na forma de educação sexual, mesmo que esses adultos sejam seus próprios pais. 628

24 de março de 2021

Python.

Filed under: Computadores e Internet, Passatempos — Tags:, , — Yure @ 13:34

Ano passado aprendi um pouco de Python para uso em novelas visuais feitos em Ren’Py. É muito fácil e eu gostei de aprender. Eu poderia ter completado minha novela visual usando Python, mas acabei mordendo mais do que eu poderia mastigar. Mesmo que python seja uma linguagem de programação fácil, fazer uma novela visual pode ser bastante difícil: você tem que escrever o texto e as cenas, adicionar a arte e adicionar a música. Depois de escrever meu projeto, pensei “é possível, posso fazê-lo em alguns meses”, mas eu estava muito errado. Eu provavelmente terminaria de escrever a história em dezoito meses, precisaria de mais seis para desenhar as imagens que incluiria e mais três meses para compor a música. Certamente não é algo para um só homem e seu primeiro projeto.

Eu ainda vou escrever uma novela visual, um dia, provavelmente relevante para meus parentes, mas agora eu estou tentando aprender outra linguagem de programação: C. Agora que eu dominei o básico do Python, eu queria aprender outra coisa. Python é o inglês das linguagens de programação; todo mundo usa. Mas algumas pessoas específicas falam outra língua e aprender outra língua pode iluminar aspectos da sua primeira língua que você não conseguiu entender no início. Escolhi C porque está intimamente conectado aos sistemas Unix ou que são semelhantes ao Unix. Eu uso ubuntu aqui. Mas fiquei bastante surpreso ao descobrir que a versão atual de suporte a longo prazo do Ubuntu não inclui o GCC. Todas as outras distribuições Linux que conheço, até mesmo outras versões do Ubuntu, incluem GCC. Mas consegui instalá-lo. Um pequeno incômodo, talvez eu esteja sendo hiperbólico…

C é muito difícil e o manual que estou usando não explica muito bem as coisas. Alguns exercícios são quase impossíveis de completar, e são exercícios que posso completar em Python com menos linhas de código. Então, eu decidi que uma boa ideia para aprender C seria completar os exercícios em Python,e então construir código equivalente em C. Eu posso usar a Internet para descobrir como fazer em C as coisas que meu código faz em Python. Eu poderia fazer o mesmo quando eu começar a aprender Bash.

Mas por que aprender programação nesta fase da vida? Jogos! Eu quero fazer alguns. Além disso, um romance bem escrito pode ter mais impacto na sociedade do que um artigo científico. Que impacto teria, então, um jogo?

16 de fevereiro de 2021

Fim dos textos baseados em livros.

Filed under: Computadores e Internet, Livros, Passatempos — Tags:, , — Yure @ 07:51

Admito que me cansei de escrever publicações baseadas em livros e acho que meu texto anterior também foi o último de seu tipo. As mudanças de formato ao longo do último ano foram principalmente tentativas de revitalizar meu interesse, mas acho que este finalmente se extinguiu. Eu ainda leio livros de filosofia e tomo notas sobre eles, mas isso agora é mais pessoal, na verdade. Isso significa que não terei muito o que conversar por um tempo. Eu não estou abandonando este blog ou meus ideais. Talvez quando eu começar a trabalhar coisas excitantes começarão a acontecer e então eu vou escrever mais vezes novamente. Por enquanto, no entanto, minha vida tem sido bastante vazia. Eu não estou deprimido, antes que você me pergunte, eu gosto desta paz, que eu estou usando pra aprender espanhol através de Duolingo. E isso é outra coisa que eu quero mencionar.

Quando eu começar a escrever novamente, pretendo usar esses três idiomas: inglês, espanhol e português. As publicações em inglês serão prioridade agora, já que escrever em português e, em seguida, traduzir em inglês mata a espontaneidade. Com o desaparecimento de Donald (não o Trump), a versão espanhola do MAP Starting Guide desapareceu. Então talvez eu mesmo deva traduzi-lo… Seria um bom exercício pra praticar o espanhol que aprendi.

17 de dezembro de 2020

About Pornhub (and Facebook and Youtube).

Before I begin, I need to confess that I am too lazy to write this text, so I apologize if I do not go into all the details or if I repeat what I have said in past entries.

Selective campaign against Pornhub.

These days, Pornhub was exposed for allegedly hosting illegal content. It was a scandal. A hate campaign against Pornhub itself was launched, even tho it would be much better to just tell them to remove the illegal content, rather than making the entire site look bad. Even Visa and Mastercard decided to stop working with Pornhub, making it difficult to pay to content producers on that site. Then, on a Sunday afternoon, Pornhub removed all videos from unverified users, losing more than half of the content posted there. But not only that: Pornhub has announced a lot of measures to prevent more illegal content from being posted, although such measures are not very profitable for the site.

Now comes the interesting part: Pornhub, in a text posted in its blog, stated that the hate campaign, fueled by the cause for protection of children, has selectively hit the site, but not Facebook or Youtube, which also host illegal content, undetected by the administrators of these sites. Why the exclusive attack on Pornhub? Because the associations responsible for the campaign (National Center on Sexual Exploitation and Exodus Cry) against Pornhub for “allowing” this type of content are associations dedicated to the abolition of pornography. Pornhub implied that only its website was attacked because whoever coordinated the attack was not really interested in the safety of children and adolescents, but was interested in killing Pornhub off using the child welfare as an excuse.

The child welfare cause as an excuse for the advancement of conservatism.

To give broth to this text, I will recite a section of another text I wrote, Sexuality, Age of Consent and Brazilian Law.

In this section, we saw the case of the bill against free pornography. This bill aimed at protecting the sexuality of adolescents (encouraging their healthy relationship) could well be an attempt to Christianize adult sexuality. If this is true and if the protection of adolescence was used as an excuse to place impediments to adult sexuality, Robinson’s statement would be proven: the cause of child sexual welfare is a device used to cause fear of any position in order to capitalize on such fear for political gain. 615 This strategy is used when the way of thinking and acting of a given society is challenged by forces that are external to it (such as globalization) or interior (changes in politics). If the way a society exists is to be preserved, sometimes it is necessary to stimulate the fear of change and, with this, moralistic discourses and protectionist discourses find convergence: the transgender phenomenon is attacked for representing a risk to children, homosexuality is attacked for representing a risk to children, pornography is attacked for representing a risk to children, among others. 616 It is not a matter of protecting children, but of advancing a particular agenda that would not advance without such excuse.

I am referring to the conservative agenda, which aims to maintain the dominant way of thinking and acting, also called “good customs”. 617 Causing fear of the different is a tactic of social control. 618 Child protection is only an instrument, the “face” of movement, not its purpose. […] In addition, they distract adults from other serious problems affecting children: the same people who push a child protection agenda are the same people who favor cuts in education and health, which impact children more than sexuality. 620 The emphasis on the moral problem of youth distracts from the material needs of youth, which is immoral: to stimulate and allow social inequality, poverty, environmental degradation, poor schooling, poor health and violence, all things that negatively affect minors, all those things are child abuse, even though it is not sexual abuse. 621

[…]

It also shows that sexual regulation that affects adults can be passed if disguised as protection for the integrity of youth, because this justification makes it less likely to receive criticism. Thus, interfering with adult sexual freedom may be acceptable if we use the protection of minors as an excuse. Moreover, the fact that adolescents and perhaps children are consuming pornography is not enough to ensure that such a phenomenon should be fought, because, by itself, it does not guarantee that children and adolescents suffer because of exposure to pornography. After all, if they suffered, they would not look for this material or discuss it among themselves. 625

[…]

More than that, the discourse of child protection can be used as a cynical mask for the implementation of policies that promote censorship and other removals of freedoms. 625 We saw this in the discussion about the bill against pornography, but we also observed this phenomenon in the United Nations attempt to abandon the term “child pornography” in favor of the term “child sexual abuse material” and, moreover, include in this category drawings, which do not even represent real children. Again censorship, again no victim in sight. Let us remember that the presence of pornography does not increase the rates of sexual crimes, but is correlated with the reduction in the frequency of such crimes: at least in the case of Japan and the Czech Republic, the rates of sexual crimes fell following the legalization of several pornographic works previously considered too obscene to be distributed, including erotic drawings. 626

This example perfectly illustrates the three points dealt with in this section: the implementation of censorship, the cynical use of the child welfare cause, and the long-term damage that can derive from it. The worst part is that this tactic is employed by the UN itself.

But will they attack Facebook or Youtube?

Pornhub, still in its blog post, states that the site has taken a lot of steps to prevent more illegal content from being posted and implicitly challenged the organizations behind the campaign to demand the same measures from other sites (Tiktok, Instagram, Snapchat, among others) known to “allow” illegal content. But that’s not going to happen.

First because, as Pornhub lucidly said, the focus of the campaign was to kill one of the biggest porn sites in the world, not to defend children from abuse, as that was just an excuse to lead the campaign. Second because it would be irresponsible to. If this type of attitude becomes commonplace, the cause for the defense of children and adolescents will stand against the capital: small but well-meaning websites will be taken down, causing bankruptcies and perhaps unemployment; users who are aware that the child cause is being used as an excuse will be frustrated (Pornhub is among the fifty most accessed sites in the world) and will bet on alternatives abroad, where such attacks are less likely; companies who worry for their safety will have to spend more if such a campaign reaches them. This kind of situation will make the child welfare cause infamous. Any association that attacks a popular website in the name of child and adolescent protection will be viewed with suspicion, as a moralist in social service uniform. Incidentally, National Center on Sexual Exploitation is the new name of the old Morality in Media.

The biggest risk with new attacks.

But the biggest risk these associations would take when launching attacks in all directions is that people, frustrated by what’s happening with sites they use (again, Pornhub is among the 50 most accessed sites in the world), will begin to wonder if it is not possible to deal with such a problem in an alternative way. These are times when MAPs(minor-attracted people)are having their voices amplified. And some MAPs have many arguments favorable to the legalization of child pornography. Of course, most MAPs I see in public are interested in acceptance and tolerance, not legalization. But there is a small percentage that could use this “kill the cow to deal with it’s ticks” mentality that such associations have to question whether child pornography really a big problem. Of course, some people would agree, even if not most, especially under the pressure of losing access to a legal service used on a daily basis. In the long run, such opinion could take traction.

Thus, by firing attacks in all directions, including Facebook and Youtube, such associations take the risk of making palatable the smoothing (even if not abolishment) of laws against child pornography. It would be the opposite of what one would like to attain. But if you are MAP and are reading this, understand that this higher risk is also very unlikely. Don’t think that child porn will be legalized tomorrow just because Pornhub did a cleanup on their website.

What every guy should do.

If Visa and Mastercard no longer want to work with Pornhub, support it by other means (and stop using those cards). If Pornhub falls one day, look for alternatives. Whenever the child welfar cause is used in a cynical and selective manner, question it in public. It’s crazy to try to kill off a legal website because someone posted something illegal there. It would be wiser to delete illegal content, not kill the entire site as they tried to do. If we let these Neo-puritans trample us like that, we will soon lose other civil liberties if such freedoms prove to be a “risk to children.”

Sobre o Pornhub (e o Facebook e o Youtube).

Antes de começar, preciso confessar que estou com muita preguiça de escrever este texto, então eu peço desculpas se eu não falar com todos os detalhes ou se eu repetir o que já disse em entradas passadas.

Campanha seletiva contra o Pornhub.

Esses dias, o Pornhub foi exposto por supostamente hospedar conteúdo ilegal. Foi um escândalo. Até o Visa e o Mastercard resolveram parar de trabalhar com o Pornhub, dificultando pagamentos aos produtores de conteúdo naquele site. Então, numa tarde de domingo, o Pornhub removeu todos os vídeos de usuários não verificados, perdendo mais da metade do conteúdo lá postado. Mas não só isso: o Pornhub anunciou um monte de medidas pra impedir que mais conteúdo ilegal seja postado, apesar de tais medidas não serem muito lucrativas pro site.

Agora vem a parte interessante: o Pornhub, em um texto postado em seu blog, afirmou que a campanha pela proteção às crianças atingiu seletivamente o site, mas não o Facebook ou o Youtube, os quais também hospedam conteúdo ilegal, passando por baixo do nariz dos administradores desses sites. Por que o ataque exclusivo ao Pornhub? Porque as associações responsáveis pela campanha (National Center on Sexual Exploitation e Exodus Cry) contra o Pornhub por “permitir” esse tipo de conteúdo são associações dedicadas à abolição da pornografia. Com isso, o Pornhub deixa implícito que somente seu site foi atacado porque quem coordenou o ataque não estava interessado realmente na segurança de crianças e adolescentes que postam pornografia de si próprios em sites adultos, mas estava interessado em acabar com o Pornhub usando a causa infantil como desculpa.

A causa infantil como desculpa para o avanço do conservadorismo.

Pra dar caldo a este texto, vou recitar uma seção de outro texto que eu escrevi, o Sexualidade, Idade de Consentimento e a Lei Brasileira.

Nesta seção, vimos o caso do projeto de lei contra a pornografia gratuita. Esse projeto de lei que visava proteger a sexualidade dos adolescentes (encorajando seu relacionamento saudável) podia muito bem ser uma tentativa de cristianização da sexualidade adulta. Se isso for verdade e se a proteção à adolescência foi usada como desculpa para colocar impedimentos à sexualidade adulta, a afirmação de Robinson estaria provada: a causa da proteção à saúde sexual da criança ou do adolescente é um dispositivo usado para causar medo de uma posição qualquer, a fim de capitalizar sobre esse medo visando ganho político.615 Essa estratégia é usada quando o modo de pensar e agir de uma determinada sociedade é desafiado por forças que lhe são exteriores (como a globalização) ou interiores (mudanças na política). Para que o modo de existência de uma sociedade seja preservado, por vezes é preciso estimular o medo da mudança e, com isso, discursos moralistas e discursos protecionistas encontram convergência: o fenômeno transgênero é atacado por representar um risco às crianças, a homossexualidade é atacada por representar um risco às crianças, a pornografia é atacada por representar um risco às crianças, práticas sexuais agora toleráveis são atacadas por representarem um risco às crianças, entre outros.616 Não é uma questão de proteger as crianças, mas de avançar uma agenda particular que não avançaria sem esse artifício.

Essa agenda é a conservadora, que visa a manutenção do modo de pensar e agir dominante, também chamados de “bons costumes”.617 Causar medo do diferente é uma tática de ordenamento social.618 A proteção à criança é apenas um instrumento, a “cara” do movimento, não seu objetivo. […] Além disso, elas distraem os adultos de outros problemas graves que afetam crianças: as mesmas pessoas que empurram uma pauta de proteção à infância são as mesmas pessoas favoráveis a cortes na educação e na saúde, que impactam crianças mais do que a sexualidade.620 A ênfase no problema moral da juventude distrai das necessidades materiais da juventude, o que é imoral: estimular e permitir a desigualdade social, a pobreza, a degradação ambiental, a escolaridade deficiente, a saúde precária e a violência, tudo isso afeta os vulneráveis, tudo isso é, portanto, abuso infantil, mesmo que não seja abuso sexual.621

[…]

Isso também mostra que regulação sexual que afeta adultos pode tentar se passar por regulação com fins protetivos visando a integridade da juventude, porque tal justificativa a torna menos passível de receber críticas. Assim, interferir na liberdade sexual adulta pode ser aceitável se usarmos a proteção aos vulneráveis como desculpa para isso. Além do mais, o fato de adolescentes e talvez crianças estarem consumindo pornografia não basta para assegurar que tal fenômeno deva ser combatido, porque, por si só, não garante que crianças e adolescentes sofrem por causa de exposição à pornografia. Afinal, se sofressem, não procurariam esse material e nem o discutiriam entre si.624

[…]

Mais que isso, o discurso de defesa dos vulneráveis pode ser usado como uma cínica máscara para a implantação de políticas que promovem censura e outras remoções de liberdades.625 Vimos isso na discussão sobre o projeto de lei contra pornografia, mas também observamos esse fenômeno na tentativa da Organização das Nações Unidas de abandonar o termo “pornografia infantil” em favor do termo “material de abuso sexual de menor” e, além disso, incluir nessa categoria desenhos, que nem sequer representam crianças reais. Novamente censura, novamente nenhuma vítima à vista. Lembrando que a presença de pornografia não aumenta as taxas de crimes sexuais, mas está correlacionada à redução na frequência desses crimes: pelo menos no caso do Japão e da República Tcheca, as taxas de crimes sexuais caíram no período após a legalização de vários trabalhos pornográficos antes considerados obscenos demais para serem distribuídos, incluindo desenhos eróticos.626

Este exemplo ilustra perfeitamente os três pontos tratados nesta seção: a implantação de censura, o uso cínico da causa infantil e o dano que daí pode derivar a longo prazo. A pior parte é que essa tática é empregada pela própria ONU.

Mas vão atacar o Facebook ou o Youtube?

O Pornhub, ainda em seu texto em seu blog, afirma que o site tomou um monte de medidas pra evitar que mais conteúdo ilegal seja postado e desafiou implicitamente as organizações por trás da campanha a exigir as mesmas medidas de outros sites (Tiktok, Instagram, Snapchat, entre outros) conhecidos por “permitirem” conteúdo ilegal. Mas isso não irá acontecer.

Primeiro porque, como o Pornhub disse com todo acerto, o foco da campanha era acabar com um dos maiores sites pornográficos do mundo, não defender crianças de abuso, sendo esta apenas uma desculpa pra conduzir a campanha. Segundo porque seria irresponsável. Se esse tipo de atitude se tornar comum, a causa pela defesa da criança e do adolescente ficará contra o capital: sites pequenos, mas bem intencionados, serão tirados do ar, provocando falências e talvez desemprego; usuários que estão cientes de que a causa infantil está sendo usada como desculpa ficarão frustrados (o Pornhub está entre os cinquenta sites mais acessados no mundo) e apostarão em alternativas no exterior, onde tais ataques são menos prováveis; empresas tementes por sua segurança terão mais gastos caso uma campanha dessas os atinja. Esse tipo de situação tornará a causa infantil infame. Qualquer associação que afirme atacar um site popular em nome da proteção à criança e ao adolescente será vista com suspeita, como um moralista em uniforme do serviço social. Aliás, National Center on Sexual Exploitation é o novo nome da antiga Morality in Media.

O maior risco com novos ataques.

Mas o maior risco que essas associações correm ao lançar ataques em todas as direções é que as pessoas, frustradas com o que está acontecendo com sites que eles usam (novamente, o Pornhub está entre os cinquenta sites mais acessados no mundo), começarão a se perguntar se não é possível lidar com tal problema de maneira alternativa. Estes são tempos em que pacas (pessoas atraídas por crianças ou adolescentes) ou MAPs (minor-attracted people) estão tendo suas vozes amplificadas. E alguns MAPs têm muitos argumentos favoráveis à legalização da pornografia infantil. É claro que não são todos e a maioria dos MAPs que eu vejo em público está interessada mais em aceitação e tolerância do que em legalização. Mas existe uma porcentagem pequena que poderia usar essa mentalidade de “mate a vaca pra lidar com os carrapatos” que tais associações têm pra questionar se a pornografia infantil é um problema realmente tão grande. Sempre haverá quem concorde com eles e prova disso é que MAPs têm aliados, especialmente sob a pressão de perder acesso a um serviço legal usado cotidianamente.

Assim, ao dispensar ataques em todas as direções, incluindo Facebook e Youtube, tais associações correm o risco de tornar palatável a suavização de leis contra pornografia infantil e sua subsequente desestigmatização. Seria o contrário do que se gostaria de obter. Mas, se você é MAP e está lendo isto, entenda que esse risco maior é também muito improvável. Não vá pensar que pornô infantil vai ser legalizado amanhã só porque o Pornhub fez uma limpeza no site deles.

O que cada sujeito deveria fazer.

Se Visa e Mastercard não querem mais saber do Pornhub, apoie-o por outros meios (e pare de usar esses cartões). Se o Pornhub cair um dia, procure alternativas. Sempre que a causa infantil for usada de maneira cínica e seletiva, questione e denuncie. É loucura tentar acabar com um site legal porque alguém postou algo ilegal lá. Seria mais sensato apagar o conteúdo ilegal, não matar o site inteiro como tentaram fazer. Se deixarmos que esses neopuritanos passem por cima de nós dessa forma, logo perderemos outras liberdades civis, se tais liberdades se mostrarem um “risco às crianças”.

8 de dezembro de 2020

17 de outubro de 2020

Installing Windows 10 on a friend’s computer.

Filed under: Computadores e Internet, Passatempos — Tags:, , , — Yure @ 13:25

So, I had a laptop here that was having a problem in the BIOS. I took it to the technicians and they couldn’t solve the problem. I got a new computer and gave the old one to a friend, who solved the BIOS problem. He then sent me the old PC back, but now I had no use for it. So I gave it to my mother, who knows how to handle Linux without any major problems, but she also had no use for the old computer. She passed the laptop on to a friend of mine, who is completely new to Linux, which was the operating system installed on the machine.

A week later, the guy asks me for help, saying that he wasn’t getting along with Linux. I used to be a Linux fanatic, but I became more tolerant of Windows and suggested installing Windows on his PC. But why wasn’t he getting along with Linux?

Before proceeding, one must understand that Linux is a kernel, not a complete operating system, that mimics the Unix ways without embedding code directly from Unix. Thus, Linux is used to build operating systems similar to Unix. Such a system has four fundamental components: the kernel (in this case, Linux), C code libraries, a command interpreter and applications. The other components that will form the complete system together with Linux generally come from the GNU project. That’s why the complete systems are also called GNU / Linux. The ones I’ve used are Ubuntu, Tails (obviously), Debian, Mint, Manjaro and MX.

The machine I sent to the guy had MX installed in it. Bad for beginners. The graphical user interface is not a fundamental component of a Unix-like system: it can be modified, replaced and even completely removed. Remember the days of DOS? Well, then, it’s the same mechanics behind the first three versions of Windows: in the past, Windows was simply an interface that could be installed on MS-DOS, PC-DOS or DR-DOS, rather than a complete system. So much so that Windows could be installed and then removed from DOS without harming the system. Because of this mechanics, if you don’t like the MX interface, called Xfce, you can replace it with GNOME, KDE or anything else.

The problem is that the beginner often does not know how to do this. In Brazil, Windows 7 is still highly popular, which is not a good thing. So most people who come from Windows 7 to Linux have no concept software repository, which is where Linux system administrators install what they need, including interfaces. Then, he eventually lost his mind and begged mercy.

I don’t blame him. The debate about which is better, Linux or Windows, is a pissing contest. The best system is the one that best meets your needs as user. If you’re willing to sacrifice some stability for customization and ease of use, use Windows. If you prefer to sacrifice some ease of use in exchange for customization and stability, you go for Linux. If you prefer to sacrifice a little customization for stability and ease, go for Mac OS. If you want to do something completely alien, go for BSD. Or that pony thing. And so on.

But installing Windows on that machine was a nightmare. I didn’t imagine that I would have to do so much.

Downloading Windows and preparing the flash drive.

The best part of Windows 10 is that it is available for free download on the Microsoft website. There is no need for activation keys. And, really, one of the reasons I switched to Linux was that I wasn’t willing to do something illegal just to have a working system. I was willing to learn a new system if it meant not breaking any laws. This, of course, because I didn’t have the money for a legitimate copy of Windows Vista Ultimate, which was what I was using at the time (on an Acer Aspire 5315, imagine that).

Downloading was easy. It was difficult to create a bootable device. In Linux, it’s easy to create a flash drive for live sessions … if the system in the flash drive is also Linux … I tried to create a bootable USB flash drive with the same method that I use to create bootable Linux devices. No luck. It didn’t boot at all. I took the BIOS out of legacy mode, put it on UEFI mode. Nothing. I enabled and disabled secure boot. Nothing with nothing. Damn it, mare! What went wrong?

WoeUSB.

I have no idea where the problem was. While trying to find a solution, I found WoeUSB. It is a program (basically a script ) that is made to prepare flash drives with Windows on a Linux machine, provided the dependencies are satisfied. But I only found it as source code and through a personal package archive (PPA), which is an Ubuntu thing. I’m on MX, so I couldn’t use that. I looked for WoeUSB in my repositories and didn’t find it. Okay… I kept trying all other methods, without succeeding. I was already preparing my psyche to face the pains of software compilation, in case I had to use the source code of WoeUSB. When everything went wrong, I realized that I would have to use the source code for WoeUSB. I had nowhere to run.

Fortunately, I didn’t have to compile anything. WoeUSB is simply a script that operates pre-existing programs in the system and, like any script, it just needs to be run from the Terminal. And to think that I could have done it from the start, saving me an afternoon of work.

woeusb –device /home/yure/windows /dev/sdb

It gave error: “you are not running WoeUSB as root!” Oh yes. I forgot, sorry.

sudo woeusb –device /home/yure/windows /dev/sdb

It gave another error. Apparently, my flash drive (/dev/sdb) was not a “block”. In other words: nothing could be written on it. Okay, let’s try to format it… I formatted it and tried again. Same problem. Damn it, mare! Okay, let’s try to delete the partition table from the device. I opened Gparted, plugged in the device, selected the “device” tab and deleted the partition table, creating a new GPT one. I ended up with a large unallocated space, which I formatted as NTFS. I left it at that and tried again. This time, the thing worked. There was an error at the very end, but it was a purely cosmetic error that could be ignored.

I restarted the computer with the flash drive, now ready, plugged into the PC. GRUB opened, and from GRUB, Windows 10 started the installation process. I thought: “oh, this is the trick, then.” For some reason, my BIOS did not start Windows on the flash drive, but if you have Linux installed on your machine, it is assumed that the BIOS can start GRUB2, which is the boot loader for all modern Linux systems. The trick is to get the BIOS to start GRUB, installed on the USB flash drive with WoeUSB, and let GRUB start the Windows installer. Great! And what an adventure…

What we learned today.

1) Not everyone gets along with Xfce, of course.

2) Methods used to write Linux to a flash drive may not be sufficient to write Windows, requiring special methods.

The method used, step-by-step.

1) Turn on the computer on which you want to install Windows and, while it turns on, enter the BIOS (on my computer, this is done by pressing F2 while the Acer logo is on the screen).

2) In the BIOS, set boot from UEFI to legacy and change the boot order so that USB comes first.

3) Download Windows 10 from the MS website.

4) Open a Terminal and install the WoeUSB dependencies (assuming you are using MX Linux, use the command sudo apt-get install bash coreutils util-linux grep gawk find grub gparted wget).

5) Download WoeUSB (you download it on Github via the code button).

6) Rename the Windows that you downloaded to windows.iso and put it in your home directory, next to the other folders (Documents and Downloads, for example).

7) Extract the contents of the zip that WoeUSB came from.

8) Inside the WoeUSB directory there is a folder called sbin and, inside it, the script.

9) Open a terminal in that location (right click> open terminal here).

10) Plug the flash drive, open Gparted, select the target device (usually /dev/sdb) and, in the “device” tab, create a GPT partition table.

11) Still in Gparted, create an NTFS partition using the unallocated space.

12) In the terminal you just opened, give the command sudo woeusb –device ~/windows.iso /dev/sdb (note that “/dev/sdb” must be replaced according to the name of your device).

13) Wait until it finishes and restart the computer without removing the flash drive.

Am I forgetting something? Well, it worked, that’s what matters…

Instalando Windows 10 no computador de um amigo.

Filed under: Computadores e Internet, Passatempos — Tags:, , , — Yure @ 13:04

Então, eu tinha um notebook aqui que tava dando problema na BIOS. Levei ele nos técnicos e eles não conseguiram resolver o problema. Arrumei um computador novo e passei o antigo pra um amigo, que resolveu a BIOS. Ele então me mandou o PC antigo de volta, mas agora eu não tinha uso pra ele. Então o dei pra minha mãe, que sabe mexer em Linux sem maiores problemas, mas também ela não tinha uso pro computador antigo. Ela passou o notebook pra um amigo meu, que é completamente iniciante em Linux, que era o sistema operacional instalado na máquina.

Uma semana depois, o cara me pede socorro, dizendo que não tava se dando com o Linux. Eu já fui fanático por Linux, mas eu fiquei mais tolerante ao Windows e sugeri instalar Windows no PC do sujeito. Mas por que ele não estava se dando com Linux?

Antes de prosseguir, é preciso entender que Linux é um núcleo, não um sistema operacional completo, que imita as maneiras do Unix sem incorporar código diretamente do Unix. Assim, Linux é usado pra construir sistemas operacionais semelhantes a Unix. Um sistema desses tem quatro componentes fundamentais: o núcleo (no caso, o Linux), bibliotecas de código C, interpretador de comandos e programas. Os outros componentes que formarão o sistema completo junto com o Linux geralmente vêm do projeto GNU, daí os sistemas completos serem também chamados de GNU/Linux. Os que eu já usei foram Ubuntu, Tails (óbvio), Debian, Mint, Manjaro e MX.

A máquina que eu mandei pro sujeito estava com MX. Péssimo pra iniciante. A interface gráfica de usuário não é um componente fundamental de um sistema semelhante a Unix, podendo ser modificada, substituída e até completamente removida. Lembra dos tempos do DOS? Pois então, é a mesma mecânica por trás das primeiras três versões do Windows: antigamente, o Windows era simplesmente uma interface que poderia ser instalada no MS-DOS, PCDOS ou DR-DOS, não um sistema completo. Tanto que o Windows poderia ser instalado e depois removido do DOS sem prejuízo pro sistema. Por causa dessa mecânica, se você não gosta da interface do MX, chamada Xfce, você pode substituí-la por GNOME, KDE ou qualquer outra coisa.

O problema é que o iniciante frequentemente não sabe como fazer isso. No Brasil, o Windows 7 é ainda altamente popular, o que não é uma coisa boa. Por isso, a maioria das pessoas que vem do Windows 7 pro Linux não tem nenhuma noção do que seria um repositório de software, que é por onde administradores de sistemas Linux instalam o que precisam, inclusive interfaces. Então, ele eventualmente perdeu a cabeça e pediu arrego.

Não o culpo. O debate sobre o que é melhor, Linux ou Windows, é um concurso de mijo. O melhor sistema é aquele que melhor atende às suas necessidades como usuário. Se você está disposto a sacrificar estabilidade por personalização e facilidade, você usa Windows. Se você prefere sacrificar alguma facilidade em troca de personalização e estabilidade, você vai de Linux. Se você prefere sacrificar um pouco de personalização pra ter estabilidade e facilidade, vai de MacOS. Se você quer fazer algo completamente alienígena, vai de BSD. Ou aquele dos pôneis. E por aí vai.

Só que instalar Windows naquela máquina foi um pesadelo. Eu não imaginava que eu teria que fazer tanta coisa.

Baixando o Windows e preparando o pen drive.

A melhor parte do Windows 10 é que ele é disponível pra download gratuito no próprio site da Microsoft. Não há necessidade de chaves de ativação ou crack. E, realmente, uma das razões pelas quais eu mudei pra Linux foi que eu não estava disposto a fazer algo ilegal só pra ter um sistema funcional. Eu estava disposto a aprender um sistema novo se isso significasse não quebrar nenhuma lei. Isso, claro, porque eu não tinha dinheiro pra uma cópia legítima do Windows Vista Ultimate, que era o que eu usava na época (num Acer Aspire 5315, imagine só).

Baixar foi fácil. Difícil foi criar um dispositivo arrancável. Em Linux, é facinho criar um pen drive pronto pra uma sessão ao vivo… se o sistema no pen drive também for Linux… Eu tentei criar um pen drive arrancável com Windows da mesma forma que eu faço com Linux. Deu ruim. Não dava boot de jeito nenhum. Tirei a BIOS do modo legacy, botei UEFI. Nada. Habilitei e desabilitei secure boot. Nada com nada. Arre, égua! O que deu errado?

WoeUSB.

Eu não faço ideia de onde estava o problema. Enquanto eu tentava encontrar uma solução, eu achei o WoeUSB. É um programa (basicamente um script) que é feito pra preparar pen drives arrancáveis com Windows em uma máquina com Linux, desde que as dependências fossem satisfeitas. Mas eu só achava ele como código-fonte e através de um arquivo pessoal de pacotes, que é uma coisa do Ubuntu. Eu tô no MX, então não dava pra eu usar um arquivo desses. Procurei pelo WoeUSB nos meus repositórios e não achei. Certo… Continuei tentando de todos os outros jeitos, sem conseguir. Eu já tava preparando minha psique pra enfrentar uma compilação, caso eu tivesse que usar o código-fonte do WoeUSB. Quando tudo deu errado, eu vi que eu teria que usar o código-fonte do WoeUSB. Não tinha pra onde fugir.

Felizmente, eu não precisei compilar nada. O WoeUSB é simplesmente um script que opera programas preexistentes no sistema e, como todo script, basta ser executado pelo Terminal. E pensar que eu poderia ter feito isso desde o começo, me poupando uma tarde de trabalho.

woeusb –device /home/yure/windows /dev/sdb

Deu erro: “você não está executando WoeUSB como root!” Ah, é. Esqueci, desculpa.

sudo woeusb –device /home/yure/windows /dev/sdb

Deu outro erro. Aparentemente, meu pen drive (/dev/sdb) não era um “bloco”. Ou seja: nada podia ser escrito nele. Tá bom, vamos tentar formatá-lo… Formatei e tentei de novo. Mesmo problema. Arre, égua! Tá bom, vamos tentar apagar a tabela de partições do dispositivo. Abri o Gparted, pluguei o dispositivo, selecionei a aba “dispositivo” e apaguei a tabela de partições. Acabei com um grande espaço não alocado, o qual formatei como NTFS. Deixei por isso mesmo e tentei de novo. Desta vez, o negócio escreveu. Deu um erro no finalzinho, mas foi um erro meramente cosmético e que podia ser ignorado.

Reiniciei o computador com o pen drive, agora pronto, plugado no PC. Abriu o GRUB e, a partir do GRUB, o Windows 10 começou o processo de instalação. Pensei: “ah, essa é a gambiarra, então.” Por alguma razão, a minha BIOS não iniciava o Windows pelo pen drive, mas, se você tem Linux instalado na sua máquina, supõe-se que a BIOS pode iniciar o GRUB2, que é o carregador de boot de todos os sistemas Linux modernos. O truque é fazer a BIOS iniciar o GRUB, instalado no pen drive junto com o Windows pelo WoeUSB, e deixar que o GRUB inicie o instalador do Windows. Genial! E que aventura…

O que aprendemos hoje.

1) Nem todo o mundo se dá com Xfce, claro.

2) Métodos utilizados pra gravar Linux num pen drive podem não ser suficientes pra gravar Windows, requerendo métodos especiais.

O método utilizado, passo-a-passo.

1) Ligue o computador no qual você quer instalar o Windows e, enquanto ele liga, entre na BIOS (no meu computador, isso é feito apertando F2 enquanto o logotipo da Acer está na tela).

2) Na BIOS, configure boot de UEFI pra legacy e mude a ordem de boot pra que o USB venha em primeiro lugar.

3) Baixe o Windows 10 no site da MS.

4) Abra um Terminal e instale as dependências do WoeUSB (assumindo que você está usando MX Linux, use o comando sudo apt-get install bash coreutils util-linux grep gawk find grub gparted wget).

5) Baixe o WoeUSB (você baixa ele no Github pelo botão code).

6) Renomeie o Windows que você baixou pra windows.iso e o ponha no seu diretório pessoal, vizinho das outras pastas (Documentos e Downloads, por exemplo).

7) Extraia o conteúdo do zip no qual o WoeUSB veio.

8) Dentro do diretório do WoeUSB há uma pasta chamada sbin e, dentro dela, o script.

9) Abra um terminal nessa localização (botão direito do mouse > abrir terminal aqui).

10) Plugue o pen drive, abra o Gparted, selecione o dispositivo alvo (geralmente /dev/sdb) e, na aba “dispositivo”, crie uma tabela de partições do tipo GPT.

11) Ainda no Gparted, crie uma partição NTFS no espaço não alocado.

12) No terminal que você acabou de abrir, dê o comando sudo woeusb –device ~/windows.iso /dev/sdb (observe que o “/dev/sdb” deve ser substituído de acordo com o nome do seu dispositivo).

13) Espere terminar e reinicie o computador sem tirar o pen drive.

Tô esquecendo alguma coisa? Bom, deu certo, isso é o que importa…

23 de setembro de 2020

Alguns conselhos de Agostinho, parte 4.

Filed under: Livros, Passatempos — Tags:, , — Yure @ 10:54

Desta vez, resolvi ler o curtinho O Cuidado Devido aos Mortos. Eu já sabia mais ou menos o teor deste tratado, considerando o Agostinho diz sobre Mônica nas Confissões. Segundo Agostinho, nas Confissões, Mônica não se importava com o local onde seria sepultada, já que nenhum lugar era distante pra Deus. Então, imaginei que o O Cuidado Devido aos Mortos iria na mesma direção, a de que o sepultamento não tinha importância nenhuma. Eu estava quase completamente certo.

Se o que importa pro sujeito que morre são suas ações em vida, segue-se que o sepultamento e as honras fúnebres são mais um consolo pros vivos (na forma de memorial, por exemplo) do que uma ajuda pro defunto no pós-vida.

Não é que o sepultamento não tenha nenhum valor. É só que ele não tem valor pra quem está morto. O sujeito morto não sabe de nada do que ocorre com os vivos. Então ele não se beneficia de um bom sepultamento. Considerando que muitos justos foram cremados ou esmagados ou despedaçados, fica difícil sustentar que o sepultamento é necessário. Se for, o que acontece com aqueles que não podem ser sepultados por causa da natureza da morte sofrida? Então, pra que serve o sepultamento? É mais uma forma de os vivos mostrarem respeito à pessoa que morreu e manterem sua memória. Se assim é, o sepultamento é um benefício prestado aos vivos mais do que é aos mortos. Aliás, dependendo da pessoa que morre, o sepultamento pode não ser uma homenagem respeitosa até. Eu, pelo menos, se eu morrer, quero que meus órgãos sejam doados. Em suma, a sepultura é de zero importância pra quem morre, sendo, na verdade, um meio de os vivos manterem a memória do defunto ou de mostrar respeito pela pessoa que se vai.

Nem o bom homem perde alguma coisa ao não ter seu corpo sepultado, nem o mau homem ganha alguma coisa ao receber sepultamento. Caso as orações pelos mortos tenham utilidade, tal utilidade deve se limitar somente aos que morreram com saldo positivo.

Do que foi dito anteriormente se depreende que o sepultamento não ajuda a alma do defunto onde quer que ela esteja. Um condenado que morre ainda é um condenado depois da morte. E o pior é que acabou seu tempo de se redimir, já que o que contam são as ações em vida. Uma pessoa absolutamente má não irá ganhar o paraíso porque foi sepultada perto de um mártir. Tampouco a pessoa boa perde alguma coisa no pós-vida porque não foi sepultada. São as ações em vida que importam, não a pompa com que o corpo é enterrado depois que já não pode mais se redimir pelo que fez. O mesmo vale para as orações fúnebres. Se o que vale são as ações em vida, as orações feitas pelos vivos em honra aos mortos só têm utilidade pra quem morre no favor divino, se é que têm alguma utilidade.

Quando sonhamos com uma pessoa viva, não há razão pra crermos que é a pessoa de fato que está se manifestando a nós em sonhos, o que significa que não há razão pra crermos que é a pessoa de fato que está se manifestando a nós quando vemos em sonho uma pessoa que já morreu.

Eu queria ver o que o Rivas tem a dizer sobre isto, já que ele é ligado nessas coisas de vidas passadas e imortalidade do eu. Pra Agostinho, quando sonhamos com uma pessoa viva, não pensamos que a pessoa tá se projetando astralmente em nossos sonhos, especialmente porque a pessoa com quem sonhamos pode confirmar que estava apenas dormindo na hora em que o sonho ocorreu e garanta que não se “projetou” coisa nenhuma. Então, porque existem pessoas que acreditam falar com os mortos quando uma pessoa morta “se manifesta” em sonhos? Qualquer que seja o significado do fenômeno, é errado pensar que a pessoa está realmente se manifestando em sonhos apenas porque não podemos confirmar com a pessoa se foi mesmo ela depois que acordamos, como podemos fazer com os vivos com os quais sonhamos.

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