Pedra, Papel e Tesoura

11 de junho de 2018

Anotações sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente foi escrito no Brasil. Abaixo, algumas anotações feitas sobre esse texto.

  1. A criança e o adolescente merecem proteção integral (artigo 1).
  2. “Criança” é alguém que não tenha doze anos completos ainda, enquanto que adolescente é alguém que tenha entre doze e dezoito anos.
  3. A criança e o adolescente gozam dos direitos inerentes à pessoa humana, ou seja, elas têm direitos humanos (artigo 3), dos quais podem gozar com dignidade e liberdade.
  4. Os direitos da criança e do adolescente são iguais entre meninos e meninas.
  5. A família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público têm o dever de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (artigo 4).
  6. A discriminação, a violência, a crueldade e a opressão à criança e ao adolescente não podem ficar impunes (artigo 5).
  7. Tratamento cruel, degradante ou castigo físico são razões para chamar o conselho tutelar.
  8. Vacinação é obrigatória se recomendada pelas autoridades sanitárias.
  9. Novamente, a criança tem direitos humanos (artigo 15).
  10. A criança tem direito à opinião e expressão (artigo 16, inciso II).
  11. A criança tem direito ao respeito, ou seja, à inviolabilidade de sua integridade física e psíquica, o que inclui a preservação de sua autonomia (artigo 17).
  12. É dever de todos proteger a criança e o adolescente de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (artigo 18).
  13. A criança e o adolescente têm direito de ser cuidados sem uso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante, tal como humilhação, ameaça ou exposição ao ridículo (artigo 18-A, inciso II, a, b, c).
  14. Uma mãe pode entregar seu filho pra adoção.
  15. Você não pode discriminar seu filho adotivo.
  16. O poder familiar é exercido igualmente pelo pai e pela mãe, os quais, se estiverem em desacordo, deverão procurar a justiça pra resolver a diferença.
  17. “Família natural” é a comunidade formada por uma ou duas pessoas (o pai, a mãe ou os dois) e seus descendentes.
  18. “Família substituta” é a comunidade formada por uma pessoa que adota, guarda ou tutela e por uma ou mais que são adotadas, guardadas ou tuteladas.
  19. Se você tem dezoito anos, pode adotar um filho, mesmo que você seja solteiro.
  20. Se você não gosta da sua nota, pode reclamar com coordenadores e diretoria.
  21. Se o menor tiver capacidade de compreender um conteúdo mais avançado (artístico ou de pesquisa), ele tem direito a acessar esse conteúdo.
  22. Se o adolescente trabalha, ele tem direito a estudar de noite.
  23. Os pais são obrigados a matricular seus filhos na escola.
  24. O processo educacional deve respeitar os valores culturais, artísticos e históricos do contexto social do aluno (isso provavelmente inviabiliza uma base nacional comum curricular).
  25. Se você não tiver catorze anos, só pode trabalhar como aprendiz.
  26. Como aprendiz, você ainda deve estudar.
  27. Você pode ser aprendiz e ganhar dinheiro.
  28. Todos devem impedir a violação aos direitos da criança (artigo 70).
  29. Uma criança de dez anos ou mais pode ir a um espetáculo sozinha, desde que o show seja adequado a sua faixa etária.
  30. Uma criança ou adolescente pode, se autorizado pelo juiz, viajar sem os pais (mas não pode se hospedar sem autorização dos pais em um hotel ou pensão, por exemplo).
  31. É permitido ativar uma medida de proteção à criança ou ao adolescente quando um de seus direitos reconhecidos é ameaçado, inclusive se ameaçado pelo governo (artigo 98).
  32. Ao aplicar uma medida protetiva, a ação deve visar o melhor interesse do menor (artigo 100, inciso IV).
  33. Além disso, o menor deve ser ouvido e ter sua opinião levada em consideração (artigo 100, inciso XII).
  34. A idade de responsabilidade penal no Brasil é dezoito.
  35. O adolescente flagrado em ato infracional tem direito a advogado (artigo 111, inciso III).
  36. Toda a criança ou adolescente tem direito a acesso ao ministério público, ao poder judiciário e à defensoria pública (artigo 141).
  37. Se o menor resolver requisitar esses órgãos, ele tem direito a assistência judiciária gratuita se necessitar dela (artigo 141, parágrafo 1).
  38. Apesar disso, o menor deve ser representado por seus pais, tutores ou curadores (artigo 142).
  39. Se o interesse da criança ou adolescente que requisita esses órgãos conflita com o interesse dos pais ou tutores, a justiça lhe dará um curador (artigo 142, parágrafo único).
  40. O juiz da infância e da juventude pode, se lhe parecer correto, conceder ao menor a capacidade de consentir com casamento (artigo 148, parágrafo único, alínea c).
  41. Um adolescente não pode ser processado a menos que arrumem um advogado pra ele (artigo 207).
  42. A lei contra pornografia infantil (artigo 240 e principalmente o 241-A) não faz menção a qualquer relaxamento caso a pessoa que grave o vídeo seja a própria criança ou adolescente, ou seja, é verdade que um adolescente pode ser penalizado por passar “nudes”.
  43. O adolescente (mesmo que já tenha 17 anos) que guarda nudes do parceiro também pode ser penalizado por isso (artigo 241-B).
  44. “Simulações” (montagem de foto ou “qualquer forma de representação visual”) também são puníveis (artigo 241-C, mas será que isso inclui desenhos de crianças que não existem na realidade?).
  45. O governo deve informar crianças e adolescentes sobre seus direitos, em linguagem que eles entendam, através dos meios de comunicação.

17 de maio de 2018

Three ways to eliminate a law.

These days, I had no computer, so I could not write much here. Using my nephew’s computer is a nightmare, because it’s a notebook without a keyboard. I had to click on the letters that I wanted to type, using a virtual keyboard, which soon turned out to be a physical and mental torture. So I took a vacation from the Internet and decided to write things in a notebook and also draw. One of the things I wrote was a little reflection on how to get rid of a law that bothers you.

I found three ways: democratic, implosive, radical. The democratic path requires converting as many people as possible into your line of thought, so that a given idea gains political strength and political representation. This is easy to do, but it is a long process that can take decades. However, in the long run, it is one of the most guaranteed method if you are good at rhetoric. The fact is that if you keep pushing and your group keeps growing, it will eventually work out. After all, feminists are not even the majority of women and look what they have done.

The implosive route consists in the alienation between law and code. Take 217- A of the Brazilian Penal Code as an example. That text says that no one can have carnal conjunction or practice a libidinous act before the age of fourteen. Some jurists argue that by condemning as rape all libidinous acts committed before the age of fourteen (because violence is presumed), even in the presence of evidence that no violence took place, it interferes with the subject’s presumption of innocence (also known as due process). If I am convicted before the trial even starts, the law is unconstitutional. That’s what the argument says. There have been some attempts to make the government realize that 217-A is unconstitutional, but none have worked so far. This is the implosive route: if the law were declared unconstitutional, that is, conflicting with a larger code, it would lose its effect. It is the most difficult route, but it has an instant consequence.

The radical way is to normalize illegal behavior by systematic disobedience . The government itself may end up doing this. For example, the new definition of molestation in the state of Arizona says that any contact made by an adult to a child’s genitals counts as molestation. This effectively criminalizes bathing and diaper changes. Who can obey this? Certainly not mothers. In the case of 217-A, the major offenders of this law are the minors themselves , developing juvenile or child-to-child relationships, as well as games that may be considered libidinous, typical of naughty children who are left unsupervised.

So I can not tell you to break the laws, although there’s a lot of kids who can not read this text and who just do not care. Anyway, it’s never enough to be bold when I say be a good citizen and obey the law. But the implosive route sounds tempting. If there are lawyers arguing that this law is unconstitutional and if there are judges who refuse to apply it literally, I have decided to verify things on my own. So, I downloaded the Brazilian Constitution and the Child and Adolescent Statute. In the next few days, I will read them calmly and seek arguments against 217-A. I also did a very short online course (only five hours) of legal argumentation and learned about the relativization of law and how the judge can hear other sources outside the text of the law, such as science and philosophy . Even though I may not be able to find these arguments, since I gradutated in philosophy and I know little of rights, it’s still a good idea for me to read these codes. After all, it is the law of my country. I have to keep up to date with it.

Três formas de eliminar uma lei.

Esses dias, eu estava sem computador, então eu não pude escrever muita coisa aqui. Usar o computador do meu sobrinho é um pesadelo, porque é um notebook sem teclado. Eu tinha que clicar nas letras que eu queria digitar, utilizando um teclado virtual, o que logo se mostrou um estorvo físico e mental. Então eu tirei umas férias da Internet e fiquei escrevendo coisas num caderno e também desenhando. Uma das coisas que escrevi foi uma pequena reflexão sobre como se livrar de uma lei que te incomoda.

Eu encontrei três formas: democrática, implosiva, radical. A via democrática requer converter o máximo possível de pessoas a sua linha de pensamento, a fim de que determinada ideia ganhe força política e, depois, representação política. Isso é fácil fazer, mas é um processo longo, que pode demorar décadas. No entanto, a longo prazo, é um dos métodos mais garantidos se você manjar de retórica. Fato é que, se você continuar insistindo e seu grupo continuar crescendo, eventualmente dará certo. Afinal, as feministas não são nem sequer a maioria das mulheres e olha o que elas fizeram.

A via implosiva consiste na alienação entre lei e código. Tomemos como exemplo o 217-A do Código Penal. Esse texto diz que ninguém pode ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso antes dos catorze anos. Alguns juristas argumentam que, ao condenar como estupro todos os atos libidinosos engajados antes dos catorze anos (porque violência é presumida), mesmo quando eu tenho provas de que não usei violência, interfere com a presunção de inocência do sujeito. Se eu entro no julgamento já condenado, a lei é inconstitucional. É isso que diz o argumento. Houve algumas tentativas de fazer o governo perceber que o 217-A é inconstitucional, mas nenhuma deu resultado até agora. É nisso que consiste a via implosiva: se a lei fosse declarada inconstitucional, isto é, conflitante com um código maior, ela perderia o efeito. É a via mais difícil, mas tem consequência instantânea.

A via radical consiste na normalização do comportamento ilegal pela desobediência sistemática. O próprio governo pode acabar fazendo isso. Por exemplo: a nova definição de molestamento no estado do Arizona diz que qualquer contato feito por um adulto aos genitais de uma criança conta como molestamento. Isso efetivamente criminaliza banhos e trocas de fralda. É uma lei de palha, impraticável. Quem poderá obedecer a isso? Certamente, não as mães. No caso do 217-A, os maiores infratores dessa lei são os próprios menores, ao desenvolverem relacionamentos juvenis ou infantis entre si, além de jogos que podem ser considerados libidinosos, típicos das crianças travessas que são deixadas sem supervisão.

Então, eu não posso dizer pra você quebrar as leis, embora tenha um monte de criança que não sabe ler isto que estou escrevendo e que simplesmente não se importa. Mas a via implosiva soa tentadora. Se existem advogados argumentando que essa lei é inconstitucional e se existem juízes que se recusam a aplicá-la literalmente, eu resolvi verificar as coisas por conta própria e baixei a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Nos próximos dias, eu os lerei com calma e procurarei argumentos contra o 217-A. Eu também fiz um curso online muito capenga (só cinco horas) de argumentação jurídica e aprendi sobre a relativização do direito e como o juiz pode ouvir outras fontes fora o texto da lei, como a ciência e a filosofia. Mesmo que eu não seja capaz de encontrar esses argumentos, uma vez que minha área não é o direito, ainda é uma boa ideia eu ler esses códigos. Afinal, é a lei do meu país. Eu tenho que me manter atualizado em relação a ela.

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