Você já deve ter ouvido falar na expressão “imperialismo”, mas talvez não entenda bem do que se trata. O filósofo Antônio Negri estudou a fundo esse tema e poderia te dar uma luz sobre ele. Primeiramente, falemos do conceito de imperialismo. Tradicionalmente, denominamos imperialismo a atitude de um império de se expandir às custas do bem-estar de sociedades vizinhas. Mas Antônio Negri afirma que o mundo mudou tanto, que nossos conceitos políticos, vindos das teorias políticas clássicas, não servem mais. O imperialismo hoje não tem território, por exemplo. Olhe os Estados Unidos: ele tem presença em todo lugar, exercendo influências e pressões econômicas e culturais. Não apenas não há necessidade de fronteira, como também não há necessidade de armas pra se ter um império hoje.
Alguém poderia confrontar com a ideia de imperialismo o argumento de que os Estados Unidos têm uma presença em países que permanecem soberanos, não sendo, portanto, uma ameaça. Mas Antônio Negri diria que não é assim, porque também o conceito clássico de soberania não serve mais. Por “soberania”, se entende a autodeterminação de uma nação, capaz de tomar seus rumos sem interferência externa. Se tomarmos esta definição ao pé da letra, nenhum país ocidental é soberano. Por quê?
Imperialismo cultural e soberania.
Primeiramente, porque todos consumimos material intelectual produzido em solo estadunidense: séries, livros, cursos, e nada disso está livre de certa carga ideológica. Se algum filme ou série estadunidense carrega propaganda sinofóbica, todos os países que consomem esse filme serão expostos à mesma propaganda, influenciando a forma como os consumidores, inclusive de fora dos Estados Unidos, veem a China. Isso se chama imperialismo cultural, quando a cultura estrangeira consumida em solo brasileiro interfere em nosso modo de pensar, harmonizando-o ao de uma potência de fora, a interesses que não são nossos. O Brasil continua soberano, mesmo exposto a discursos que inclusive operam contra nossos interesses (a China é nosso mais importante parceiro comercial)? Se sim, então o conceito de soberania precisa ser revisto. Isso, ou teremos que admitir que o Brasil não é soberano, ao menos quanto à cultura.
Quando interesses externos se associam à mídia de um território, temos outro problema, que a cooptação da grande mídia. Isso pode acontecer, por exemplo, pela entrada de agências noticiárias de fora em nosso território, como a CNN. Elas continuam sendo movidas pelos interesses de uma sede, que está fora do Brasil. Isso não quer dizer que a CNN veio ao Brasil só pra mentir, pois há jornalismo de verdade sendo feito ali. Mas, em algumas questões cruciais, é claro que a CNN terá que manter seu compromisso com os interesses de seu país de origem. Obsever que Antônio Negri não toca diretamente no assunto das agências jornalísticas, mas sua teoria do imperialismo pode ser aplicada a elas, por isso as usei como exemplo.
Ora, a maioria das pessoas descobre o que está acontecendo no mundo através das notícias. Elas tomam o jornalismo como um retrato da realidade, quando tais pessoas também não são críticas. Isso facilita o uso da informação como ferramenta de desestabilização política. O Brasil já passou por isso antes, sem que a mídia internacional estivesse envolvida, então sabemos como é. A vinda de um veículo subjugado a interesses externos não reduz tal risco, mas o aumenta.
Imperialismo global.
No conceito tradicional de imperialismo, falamos de fronteiras. O império quer se “expandir”. Mas não se vê isso hoje. É que o império moderno não tem fronteiras fixas. Na prática, a fronteira do império são as pessoas que pensam segundo os interesses do império. Os impérios hoje são ideológicos, com sua expansão ocorrendo não pela transposição de fronteiras territoriais, mas pela disseminação de valores e discursos e também pelo uso de políticas econômicas de livre mercado para levar empresas do império para outros lugares. Observe que livre mercado não é inerentemente ruim, mas pense: que porcentagem dos ganhos de um McDonald’s fica no Brasil e que porcentagem vai pra fora? É dinheiro que não é gasto no Brasil, na nossa nação, mas que vai sustentar os outros lá fora. Se isso acontecer sem controle, o que vai acontecer com os serviços nacionais? Poderão competir? Os brasileiros ficariam mais ricos ou mais pobres, se o número de empresas estrangeiras em solo brasileiro se multiplicar descontroladamente?
Assim, a presença americana no Brasil ocorre sem que seja preciso disparar um míssil. Em tempos de globalização, abertura de mercados, disseminação de discursos e coisas que tais se tornam quase necessários. Mas as nações mais poderosas tiram mais benefício disso e podem usar as vantagens da globalização com maior maestria. Isso faz com que a presença de nações poderosas em nações mais fracas se torne comum. Isso se torna ruim a partir do momento em que tal presença impede o desenvolvimento da nação “invadida” ou a leva a agir contra seus próprios interesses, levando à desestabilização política. Hoje, o império em voga são os Estados Unidos. Por isso se fala de imperialismo americano.
O uso de valores políticos como pretexto.
Um império pode se expandir quando todos querem paz. Isso porque tratados pacificadores multilaterais, os quais são consensos com regras, podem ser explorados. Uma das coisas mais frustrantes em tratados pacificadores é que nações poderosas podem usá-los como desculpa para atacar nações mais fracas com sanções econômicas ou mesmo ataques diretos. O mundo quer paz e, por isso, maioria das pessoas vê com maus olhos aqueles que violam tratados pacificadores ou diretrizes internacionais que visam a manutenção da paz entre os povos. Se você conseguir fazer com que a população pense que um desafeto seu é uma “ameaça”, você pode arriscar sanções ou ataques contra esse desafeto. Exemplo: os Estados Unidos gostam de justificar ações contra a China dizendo que a China não é democrática ou que ela fere os direitos humanos de seus cidadãos. Com isso, eles têm um álibi pra atacar a China e posar de bonzinhos. Isso, apesar de os Estados Unidos não serem campeões dos direitos humanos, nem mesmo uma democracia completa (aquele sistema eleitoral é roubado do início ao fim).
Esse tipo de tática é usada por impérios para desestabilizar regimes políticos por aí afora. Existe uma hipótese que diz que os Estados Unidos teriam intervido na última eleição boliviana, através da OEA, pra que Evo Morales não assumisse o poder. Se isso for verdade, não uma teoria da conspiração, eis um exemplo de interferência com base em princípios políticos: “a eleição não foi realmente democrática”. Esse tipo de pretexto pode ser usado contra Cuba, Venezuela, entre outros. O império, pelo controle das narrativas, pode operar uma desestabilização política se for pelos “motivos certos”, dando legitimidade a tais ações. Isso leva a uma situação em que é possível instrumentalizar os meios de policiamento e punição.
E como se livrar de um império?
O que dá sustentação a um império são as pessoas. Como vimos no começo, Antônio Negri afirma que o império global não tem fronteiras físicas, mas ideológicas: ele vai até onde houver gente que concorde com o que o império diz. A partir do momento em que a popularidade do império começa a cair, já podemos considerar que o processo começou. No caso dos Estados Unidos, a popularidade americana já começa a cair. Começou com Trump e se aprofunda com Biden. A credibilidade norte-americana está em crise. Com a ascensão chinesa, a tendência é que a hegemonia americana seja substituída por um período multipolar, ao qual uma possível hegemonia chinesa poderia se seguir, se isso for do interesse da China.
Assim, a melhor forma de se acabar com um império é levando as pessoas a se voltarem contra o império. Se elas verem os verdadeiros motivos por trás das sanções econômicas unilaterais, da inoculação de valores estranhos às nações mais fracas, entre outras práticas, a popularidade do império continuará caindo e o mundo buscará alternativas. Isso já está acontecendo.
Recomendações.
Na minha modesta opinião, existe um problema brasileiro maior que qualquer império: o complexo de vira-lata. Trata-se da mentalidade que aflinge alguns brasileiros, e que os faz pensar que nada produzido no Brasil presta, que só presta aquilo que é produzido fora. Isso é reforçado pela mídia, que muito infrequentemente mostra boas produções brasileiras. Não estou falando de futebol, nem de política, mas de ciência e filosofia, que são produzidas por brasileiros também. Esse tipo de mentalidade proporciona tanto a estagnação técnica no Brasil quanto o entreguismo, dando nossas riquezas, recursos e tecnologia a outros, porque, supostamente, não conseguiríamos gerenciar essas coisas bem.
É também importante lembrar que uma coisa é o governo e outra coisa é a sociedade civil. Por mais que você não goste do imperialismo americano, é importate não extender esse sentimento aos cidadãos americanos, que frequentemente são contra intromissões em outros países, especialmente quando tais intromissões são bancadas com o direito coletado dos impostos que a sociedade civil paga. Guerras, por exemplo, custam dinheiro e esse dinheiro vem do contribuinte de lá.