O texto abaixo é uma honesta aula filosófica baseada em O 18 brumário de Luís Bonaparte, escrito por Karl Marx, com sugestões de como as ideias contidas em tal escrito podem ser usadas para desenvolver o país e ajudar as pessoas a se compreenderem.
Tema do livro.
O 18 brumário de Luís Bonaparte é sobre a interpretação marxista de um determinado período histórico (a pista está no nome do livro). Trata-se, portanto, de um tipo de filosofia da história, uma interpretação particular de um contexto histórico. Naturalmente, como ocorre em todas as obras marxistas, o momento histórico não pode ser interpretado imediatamente, antes de se estar ciente das causas materiais ou sociais que o motivaram. No marxismo, ideias e filosofias são motivadoras secundárias da história. A verdadeiro motor da história é sempre de origem material: a insatisfação causada pela opressão de um grupo por outro, mas nunca o simples pensamento ou atitude intelectual desinteressada. Em outras palavras, no marxismo, a história é luta de classes.
O uso do passado pra legitimar “o futuro”.
Hegel afirma que todos os eventos históricos ocorrem duas vezes. Se assim é, a segunda vez geralmente é pior que a primeira. A segunda vez é caracterizada pela apropriação de elementos da primeira vez em um contexto diferente. Por exemplo: apropriação de Paulo por Lutero, apropriação do velho testamento pela revolução burguesa na Inglaterra. Para citar um exemplo do momento: a apropriação do discurso da ditadura militar pelo clã Bolsonaro. Recorrer ao passado pra operar uma mudança social não é incomum. Essa tática tem como objetivo romantizar as lutas futuras usando a memória de lutas passadas, tornando o esforço mais atraente. É uma técnica estética, mas que geralmente degenera em paródia. É muito fácil essa técnica fracassar. E, quando fracassa, as pessoas veem que era somente uma farsa pra movimentar a massa de manobra em uma dada direção. Tal direção é a reacionária. Usando os conservadores nostálgicos como base segura, tenta-se fazer o passado parecer atraente também aos mais jovens.
Uma pessoa que recorre às revoluções ou golpes passados pra justificar o que está tentando fazer está também tentando distrair as pessoas da falta de conteúdo do movimento que se quer fazer. É provável que tal movimento seja inclusive prejudicial ao povo do qual se deseja obter apoio, uma tentativa de trazer de volta as coisas como eram, particularmente os elementos que poderiam favorecer quem quer dar o golpe. Uma revolução autêntica deveria buscar sua justificação e combustível emocional no presente, sem recorrer a uma romantização do passado, e ferrar seu inimigo até que ele não possa mais se levantar.
Caos posterior.
Outra tática pra movimentar revoluções oportunistas, além de romantizar o passado, é fazer promessas de melhoras futuras, pra que todos anseiem um alvo claro. Há expectativa, esperança e sede por tal objetivo, como se tudo fosse se resolver ao alcançá-lo, um sentimento que pode contaminar até mesmo as forças armadas, que passam a deixar seu papel de manter a ordem, a fim de dar livre curso às revoltas populares, inclusive revoltas contra o congresso (o qual as forças armadas deveriam proteger). E, ao alcançar o objetivo, todos se congratulam mutuamente, como se tudo estivesse bem e o país não tivesse que ser reconstruído, enquanto repartem os despojos entre si (excluindo o povo, porém), particularmente os industriais.
O problema é que, depois de uma revolução, séria ou farsante, as partes que ajudaram na derrubada do regime anterior querem sua fatia do bolo ao definir os rumos do novo regime. Aí, ninguém mais se entende. Essa é uma configuração propícia para o caos: cada grupo tenta trazer gente pra si a fim de levar o regime numa direção que lhe é favorável. Nesse clima de incerteza, os aventureiros que derrubaram o antigo regime se mostram sem perícia pra conduzir o novo ou mesmo lhe propor alguma coisa (isso quando não são insubordinados), os partidos sem ideologia se fragmentam e o próprio novo governante se revela um comediante excêntrico, cuja troça dirigida aos seus adversários “certinhos” é a única coisa efetiva no mandato, especialmente quando pessoas que têm habilidade de auxiliar no governo e que realmente são úteis recebem exoneração como recompensa. Aí, sim, o governo se priva do sucesso. E, quando o governo se priva do sucesso, os ricos passam a privar o governo de investimento…
Isso gera, além do caos, a insatisfação. Ótimo ambiente pra que as forças do antigo regime se reorganizem, especialmente se puderem integrar o congresso e criar uma coligação majoritária! Se bem que isso iria requerer que a coligação fosse feita com projetos de poder mais ou menos compatíveis… Tipo, não dá pra misturar republicanos e monarquistas. Apesar de que é difícil um monarquista hoje fazer alianças com quem quer que seja, exceto com outro monarquista. Isso porque uma monarquia beneficiaria poucos. Talvez até monarquistas que se candidataram e obtiveram cargos políticos não queiram realmente um regime em que eles sejam jogados na irrelevância. É melhor um monarquista desistir da volta do império e se candidatar. Isso, ou defender um híbrido entre os dois regimes, como uma monarquia constitucional, mas aí o monarca vira um zero absoluto.
Observe, porém, que as forças que apoiam o novo regime podem tentar direcionar essa insatisfação aos ministros de estado, o que pode levar o povo a se esquecer de que é o chefe do executivo quem nomeia ministros em primeiro lugar. Essas forças fazem isso quando querem manter o governante de escolha delas. Então, mais odioso que o Salles, o Weintraub ou o Guedes é quem colocou eles pra exercer cargos de importância. Além disso, são ministros fracos em ministérios fracos, os quais, sozinhos, não operam nada. Se um ministro fraco faz algo grande, só pode ser graças ao chefe, que o usa. Essa pessoa, o presidente, não pode ser blindada.
Além do mais, ministros ruins podem ser empossados com o fim de concentrar o poder executivo na pessoa do presidente. Tome Vélez e Weintraub, por exemplo. O ministério da educação está paralizado por causa deles. Mas isso porque esses ministros não fizeram nada sem que Bolsonaro mandasse. Talvez o mesmo possa ser dito de Salles. Eles são vazios de qualquer autonomia. Nesse caso, o verdadeiro ministro da educação (e talvez do meio ambiente) é o Bolsonaro, porque seus ministros só agem se houver ordem dele, com a única exceção do Guedes e, de vez em quando, da Damares. Um ministro ruim é um ministro sem autonomia, que age a mando do presidente enquanto leva a culpa no lugar dele. Aliás, eles têm autonomia, sim: espontaneamente dizem asneiras pra manter a oposição ocupada com filigranas verbais enquanto algo maior é preparado por baixo dos panos.
Só que esse também é um período de mata-mata entre as forças políticas revolucionárias, que passam a se desentender entre si, e as reacionárias. É um período de surpresas, uma atrás da outra, e de perseguições políticas, caracterizadas pela tensão entre grupos sociais, bem como do aparelhamento do sistema jurídico e condenações apressadas. Exemplo de tensão social: a tensão entre trabalhadores e… todo o resto da sociedade. Como?
Veja, tanto no contexto histórico ao qual O 18 brumário de Luís Bonaparte se refere quanto no contexto histórico do Brasil de hoje, a luta contra o “comunismo” ou “socialismo” foi a bandeira catalisadora da remoção de direitos dos trabalhadores. Criminalizou-se ou difamou-se os representantes dos trabalhadores, como os partidos de esquerda, sob a desculpa de que aquela era uma luta contra as forças que perpetuavam o caos.
Mas tudo isso, essa luta pelos valores tradicionais como meio de restaurar a ordem, a luta contra o vermelho que poderia manchar a bandeira, era uma distração, um dispositivo para causar medo. O verdadeiro inimigo era o direito trabalhista, não o “comunismo”; os verdadeiros combatentes eram os chefes, não o povo. Desvia-se a atenção dos problemas reais pra fazer o povo lutar contra inimigos imaginários, em detrimento da satisfação de suas próprias necessidades. Daí a sensação de que os “salvadores da pátria” traem a pátria tempos depois.
Entenda: uma coisa é o que a pessoa diz e outra coisa é o que ela faz. As outras classes sociais podem dizer que estão do lado do povo, mas são sempre hostis à classe trabalhadora. Afirmando representar o povo, agem abertamente contra ele. Uma aliança entre os trabalhadores e outras classes quase sempre termina com o trabalhador traído ou explorado.
Esse caos é também o tempo em que uma parte das forças derrotadas se junta ao lado vencedor pra permanecer relevante e manter seu poder apesar da mudança de regime. Por exemplo, com a queda da dinastia francesa e a ascenção da república, a burguesia, que governava em nome do rei, tenta se “atualizar” pra governar em nome do povo. Mais ou menos como aconteceu entre Bolsonaro e os ricos do país (grupos de mídia, empresariado, agronegócio e igrejas neopentecostais) em um governo que deveria representar o povo. Esses grupos usam aquele que deveria representar o povo pra representar seus próprios interesses. Parece que, no final das contas, o lado vencedor quase sempre tem a vantagem de ser favorecido pelo dinheiro.
Trabalhadores traídos… e ricos também.
Os trabalhadores têm forças pra colocar ordem no caos interno, pela mobilização popular nas ruas, mas as consequências da revolução e da substituição de regime causam medo. O que poderia vir depois? Mais caos? O potencial revolucionário é também prejudicado pela ideia de que a insatisfação passará com as próximas eleições (as quais, a bem da verdade, servem ao menos pra frear o avanço de um plano de governo opressivo). Então, se o sistema permite isso, pra que revolucioná-lo? Sem interesse em acabar com o sistema que permite que sejam explorados, os trabalhadores acabam conquistando apenas vitórias superficiais e um bem-estar passageiro (um aumento de salário, uma melhora nas condições de trabalho, entre outros).
Uma vitória definitiva dos trabalhadores só pode ocorrer pela tomada do poder, pelo povo em marcha, algo que poderia até ser puxado pelo congresso, se este também não fosse tão avesso à mudança e se este também conseguisse o apoio das forças armadas (e se a população não visse a ação do congresso como uma tentativa de usá-la pra depois descartá-la). Vitórias superficiais ou que afetam apenas os trabalhadores, em vez de toda a sociedade, não impedem que os trabalhadores sejam massacrados depois e tenham suas vitórias anuladas, pela retirada de direitos conquistados com vitórias passadas. E olhe lá se não mexerem no sistema eleitoral pra limitar até seu direito de eleger alguém, falando em coisas como “eleições indiretas”… Estranho que ferrar a população seja visto como “nacionalismo” hoje.
Os grupos que ajudaram na mudança de regime não estão totalmente salvos. À medida em que um grupo começa a ganhar mais força (por exemplo, o capital mais forte que o latifúndio) e se eleva acima dos demais, o círculo de interesses vai ficando menor. E agora, quem fica com o estado? Os trabalhadores são excluídos das deliberações do governo e, aos poucos, os ricos também, começando dos menos ricos e indo aos mais ricos. Quem antes ajudou, passa a ser inimigo e cada inimigo vencido é mostrado como troféu, uma vitória da ordem contra o caos que se instala em qualquer mudança de regime político. No caso da história francesa, esses inimigos eram primeiro rotulados de “socialistas”, depois massacrados. Se algo tinha que ser destruído, tinha que ser antes declarado “socialista”. No caso do Brasil de agora, o rótulo é “comunista”. É a palavra de ordem: “tem que acabar com os comunistas pra que a democracia prevaleça!” Opera-se depois o oposto da democracia, sob a aparência de democracia.
Um desses grupos desfavorecidos é a imprensa livre: órgãos de mídia que apoiaram a ascenção do novo regime e são depois marginalizados culpam depois o povo por permitir tal ascenção e ser “conivente” com a manutenção do regime. Imagine só: a imprensa antipopular pedindo um levante popular contra o regime que ela ajudou a instaurar. Bem feito. Morra de vez. O problema é que isso acontece não somente à imprensa inimiga do povo, mas também à imprensa que estava ao lado dos trabalhadores desde o começo.
Outro grupo marginalizado em pouco tempo são os produtores de bens, os endividados e pequenos empresários. Às vezes até os grandes empresários. Se espera que a ascenção de um governo mais alinhado aos interesses do capital possa fazer o país ficar rico. Reclamam das crises do regime anterior e do período caótico. Mas o que acontece quando o novo regime traz crises econômicas ainda mais fortes? Quando a economia voltará ao passo ordenado, se é que já andou ordenadamente? E quando o país voltará a crescer? Enquanto essas respostas não saem, eu vou curtindo o dólar acima de quatro, já que eu exporto pros gringos.
Não tem coisa mais amiga da onça do que projeção econômica. Quando há restrições demais, a economia adoece. Quando há liberdades demais, também. Quem se confia somente em projeção econômica se desespera quando ela é desmentida. Mas o pior golpe contra os ricos ocorre quando os ricos do congresso não mais representam os ricos fora do congresso. Isso pode acontecer por medo de represália vindo de poderes maiores se os deputados e senadores não se alinharem com o executivo.
“Democracia” ou “república” são apenas palavras belas atrás das quais alguém pode se esconder da fúria dos trabalhadores, quando pronunciadas por gente como essa. O perigo vermelho é apenas um artifício pra que a população, pelo medo, sinta que precisa de líderes e tenha oponentes bem claros contra os quais direcionar seus ataques. Quem são os oponentes? Os opositores do governo. Quem discorda do presidente só pode ser comunista, mesmo que seja também um neoliberal. No período a que se refere O 18 brumário de Luís Bonaparte, até a burguesia se viu em apuros quando viu pairar sobre si o rótulo de socialista. Fascinante, né?
O lado bom disso é que setores poderosos da sociedade são marginalizados (ou até extintos), ministros de partidos antes aliados são destituídos, presidente e ministros contradizem e desautorizam uns aos outros, e por aí vai. Algumas dessas forças são até mesmo levadas a agir contra seus próprios interesses, vendo no mal o caminho para o bem, ou escravizadas. Isso não supera o caos, mas o põe numa panela de pressão: agora ricos se sentem tentados a andar de mãos dadas com pobres que já estão desapontados com o poder, porque o poder passou a representar só a si mesmo e quem é próximo dele. Algumas dessas forças, as mais honestas, até mesmo se aliam definitivamente aos trabalhadores e viram a casaca. A trama da queda do governo é posta em movimento. Isso é facilitado se o congresso, ou outro órgão do governo, tiver contatos com outras nações, mais fortes ou mais influentes, pra avançar seus desígnios.
Veja o que está acontecendo: prejudicando ora uma classe social, ora outra classe social, o governo acaba se tornando inimigo de todos. Isso é típico de governos que tentam agradar a todos inclusive quando dois grupos (como a bancada evangélica e o agronegócio) têm interesses distintos. Muitas vezes, não é possível beneficiar alguém sem tirar de outro. O governante passa a ficar pressionado entre exigências contraditórias. Por causa disso, não é possível um governo que agrade a todos. Um governo que promete agradar a todos, decepciona a todos.
Isso não quer dizer que os ricos menos honestos e os pobres ficaram amiguinhos. Se um rico se alia a um pobre, é geralmente por interesse próprio ou porque percebe que a democracia está em apuros (o que poderia ser ruim pros dois, especialmente pra quem tem algo a perder). Eles estão unidos na luta contra um inimigo comum, mas eles não têm outros interesses em comum além desse. Elege-se uma pessoa que denuncia o “socialismo” ou o “comunismo” como inimigos, mas também é inimiga do grupo dominante que passou a arrogar pra si todo o poder, como o novo salvador da pátria.
Esse sujeito é um “moderado”, que denuncia o poder vigente e a classe trabalhadora como extremos opostos, mas que joga segundo interesses das forças que o sustentam (os outros grupos poderosos que se viram marginalizados). É tipo um Guaidó. A parte interessante disso é que, se esse democrata moderado falha em seus desígnios, ele pode culpar o povo por isso, já que ele se diz democrata e diz agir no interesse do povo. Se ele falhou é porque o povo falhou. Não é fascinante um bicho desses?
Observe, porém, que a força dos trabalhadores reside na mobilização popular, enquanto que a força dos ricos reside na política. Essa diferença ocorre por causa dos números: há mais trabalhadores no mundo do que ricos. Então, o rico que queira fazer seus interesses valerem precisa ser eleito ou comprar um ou mais políticos, pra que ele tenha muito poder mesmo estando em menor número. Se os trabalhadores quiserem fazer valer seus interesses, terão que ir às ruas pressionar o governo… Mas, assim, se você for às ruas, não espere que o governo te receba dando bolo com suco. Quando o governo se sente ameaçado, especialmente pelo povo desarmado, ele reage com seu monopólio do uso da violência. É por isso que os trabalhadores deveriam ter suas próprias armas. Quanto mais poderosa for a classe trabalhadora, menor será a influência da classe dominante sobre os trabalhadores. E isso é ótimo: tem muito trabalhador inteligente e muito chefe idiota. Então, que os trabalhadores resistam à influência cultural da elite. Se os tralhadores tomarem coragem, tomarão também o poder.
Uma pergunta que deve ter surgido é: com todos esses problemas, por que ainda insistimos que precisamos de líderes políticos? É que não somos hoje como os camponeses franceses do século dezenove: autossuficientes. Se cada um tivesse um pedaço de terra fértil pra chamar de seu e produzisse aquilo que lhe basta, não haveria necessidade de governo… Cada família seria um estado. Se bem que, mesmo nessa época, o governo ainda era necessário pra administrar a quanta terra cada camponês tinha direito… Mas, em suma, quanto mais autossuficiente é cada cidadão, menor será sua necessidade de um governo.
Quem manda na democracia?
Aproveitando um levante popular, a burguesia francesa, mostrando-se como representante dos interesses republicanos, conquistou lugares importantes nas comissões, particularmente na assembleia constituinte, que estabeleceriam os termos do novo regime. Tiraram da constituição qualquer elemento socialista e, basicante, trouxeram de volta, com forma republicana, elementos de um regime já superado. Isso manteve seu poder. Ao menos nesse caso, quem passou a mandar foram os ricos, utilizando o poder bruto dos trabalhadores revoltados pra chegar onde chegaram, conduzindo-os e sendo seus “representantes”.
A cada vitória, como o direito de votar e as liberdades individuais (como são os direitos humanos), vem também uma limitação que torna inócua a vitória alcançada. Por exemplo: nem todos podem votar ou os direitos de liberdade de expressão e associação são limitados por coisas vagas, como a “segurança nacional” (uma tática reacionária que pode ser empregada inclusive contra a imprensa). Assim, embora os trabalhadores tenham conseguido novos direitos e novas liberdades, tais direitos e liberdades são rapidamente tornados inúteis contra a nova classe dominante. No mais, as coisas… continuam do mesmo jeito que eram antes da mudança de regime. Foi assim naquele período. Não é exatamente assim hoje, mas é quase isso. A constituição, inclusive a nossa constituição, é um documento lindo, mas as limitações aos direitos por ela garantidos fazem com que a constituição valha preferencialmente pros amigos do governo. Isso não impede que os trabalhadores invoquem, com toda a justiça, a mesma constituição pra reinvidicar seus direitos já garantidos. Mas isso também mostra que a democracia não é imune às diferenças entre classes e tal democracia pode ser aparelhada por uma classe social em detrimento das outras, particularmente dos trabalhadores.
Essa infestação de gente antidemocrática em ambientes que deveriam ser democráticos também ocorre entre poderes. O poder legislativo tem mais gente, então tem mais representantes das classes dominantes, mais gente que pretende usar a política pra se dar bem e amansar o povo. É natural que ele seja o verdadeiro chefe de estado. Isso porque o poder legislativo, na pessoa do congresso, pode afastar o presidente. Mas o presidente não pode fechar o congresso, a menos que se tenha instaurado uma ditadura. Seria inconstitucional (não que o congresso não tome uma decisão inconstitucional de vez em quando). É uma ilusão pensar que o presidente manda numa democracia. Quem manda é o congresso. E o congresso está cheio de gente representando pessoas que são contra os interesses dos trabalhadores.
Esse congresso pode, embora dificilmente, alterar a constituição, se bem que somente seus aspectos passíveis de mudança, o que pode ter efeito cascata sobre várias outras leis, inclusive trabalhistas. Mas o congresso não tem todos os poderes. Ele não pode, por exemplo, decretar o fim da república. Só uma nova constituição pode mudar o regime de governo e fazer uma constituição novinha, do zero, requer uma assembleia constituinte, de caráter temporário. Isso é importante, porque quer dizer que o presidente pode jogar a constituição contra o congresso se houver oportunidade pra isso, já que ninguém pode mexer nas chamadas “cláusulas pétreas“.
Isso não quer dizer que o poder executivo é impotente, primeiramente porque o presidente é eleito pela maioria dos votos da população inteira. O congresso representa diferentes setores da sociedade, mas o presidente representa a maioria da sociedade e isso já lhe dá um respaldo enorme em suas ações se ele também for bem avaliado. O pessoal vai pra rua pelo presidente que ama e abandona o presidente que odeia. Se houvesse um atentado presidencial, com apoio popular, contra o congresso, a guerra entre poderes ia ser muito feia e talvez muito curta. Isso pode ser agravado pela ciência do chefe do executivo de que ele tem apenas quatro anos pra conseguir vencer essa guerra. Ou ele pode usar esses quatro anos pra curtir, com o gordo salário que ganha, e deixar esses conflitos de lado. Outra coisa que pode resolver tensões entre executivo e legislativo é a corrupção: sabendo os podres um do outro, políticos compram silêncio mútuo.
Quando um conflito entre os dois poderes parece inevitável, pode ser que o presidente resolva começá-lo. Caso o presidente resolva peitar o congresso, preferencialmente se estiver com apoio popular, ele pode fazer isso com as forças armadas, as quais devem antes ser alienadas da realidade popular a ponto de pensarem estar agindo para o bem de todos. Nenhum poder legítimo, nenhum golpe, nada se sustenta sem apoio militar e popular. Lembre que o golpe militar de 1964 teve apoio crucial da população brasileira e a ditadura começou a desmoronar com a queda de sua popularidade. Um governo só subsiste se a maioria da população se reconhece nele.
Esse apoio popular pode ser obtido voltando as pessoas contra o congresso, ou seja, contra a democracia (o que equivale a fazer o povo agir contra seus interesses). Para fazer isso, é preciso esperar um momento em que o congresso tome uma decisão impopular. Daí, a força que pretende dar o golpe, seja ela o exército ou qualquer outra força, se põe ao lado do povo ou ao lado de alguém poderoso que não tenha gostado do movimento feito pelo congresso. Faça isso sempre que o congresso decepcionar um aliado potencial e logo você terá aliados efetivos.
Esse processo é facilitado caso a força que tenta dar o golpe seja também demagógica e caso sua audiência seja composta de pessoas da pior estirpe (criminosos, por exemplo, e outros vagabundos), que se sentem “dignos” sob a sombra do golpista e podem até virar gente importante no governo vindouro. Esse é o pessoal que, sob a proteção do olho cego da polícia, xinga e até agride opositores na rua. Por isso que é uma boa ideia que exista mais de uma polícia em um território (federal, civil, militar, entre outras), pra que uma polícia legítima mitigue uma polícia aparelhada. O golpista pode até dizer pra seus seguidores pararem, mas, pela omissão da polícia, eles entendem que a verdadeira mensagem é continuar.
Com o crescente furor social proporcionado pela omissão da polícia e pela corja vagabunda, um golpe pode ser dado pra “pacificar o país”. Se os trabalhadores fizerem insurreições em tal momento, será fácil colocar os militares contra o povo. Isso é outra forma de dizer “me deixem governar como eu quero, em silêncio, ou a convulsão social me levará a medidas drásticas.” O golpista bem que gostaria que seus subordinados imediatos fossem tão eficientes quanto seus seguidores populares. Quando a tensão social chega a níveis extremos, até cidadãos que não apoiam o presidente pedirão a vinda de um “governo forte”. Esqueceram de mencionar que há meios constitucionais de obter tranquilidade. Qual é o cara que propõe golpe militar em nome da paz? Esse tipo de situação não traz paz.
Mas a perspectiva de golpe pode, além de prejudicar a paz, causar instabilidade econômica: o capital financeiro precisa de estabilidade local pra investir em um país. Então, um país onde o governante provoca o povo à revolta é um país onde se investe menos. Aí, o governante pode fazer parecer, com apoio da mídia vigarista (em oposição à mídia intelectual, que pode até apoiar setores do governo), que o baixo investimento é culpa do povo, que não o deixa governar. Tal afirmação pode ser também uma tática de distração, fazendo com que o problema econômico pareça ser de raiz exclusivamente política, facilitando que o governo culpe adversários, mas problemas econômicos raremente têm só uma causa. Aliás, no capitalismo, a causa de uma crise em um país pode estar até em outro país, o qual, por qualquer razão, deixou de importar da gente, por exemplo. Isso faz qualquer opositor do presidente parecer um traidor da pátria.
Se o povo for idiota o bastante pra acreditar que a própria pobreza é culpa dele somente, tal povo também estará aberto a sugestões do que fazer pra mudar isso. Coisa simples é manobrar uma população ignorante. Por causa disso, o congresso nunca deve subestimar um presidente, mesmo que seja um presidente horrível, se ele for também capaz de fazer o povo de títere.
Se acontece um golpe, o congresso se dá mal, porque o aparelhamento do congresso, seguido de seu fechamento, é uma das primeiras coisas que acontecem. Terá que escolher entre ser fechado ou existir apenas pra dizer “amém” ao presidente. Se fechado, seus integrantes terão que sair por onde entraram, de cabeça baixa. O congresso pode ser fechado imediatamente após o golpe, por violência, ou aos poucos, por asfixia econômica ou desvio de função (quando o executivo, pouco a pouco, assume as funções do legislativo). Talvez os deputados e senadores mais incisivos sejam até presos. Nada de diálogo com essa gente que fala com as armas. Mesmo a mera ameaça de um golpe de estado pode calar a prepotência do congresso, se o poder executivo e as forças armadas forem suficientemente próximas.
Então, é preciso que o congresso sempre se ponha ao lado do povo, isolando o presidente, tirando dele tanto poder quanto for possível. Um congresso impopular, com imagem arruinada, se coloca em risco. Uma vez que o risco está estabelecido, tudo o que executivo precisa fazer é negar apoio policial (e militar) ao congresso caso uma população insatisfeita resolva invadir o local e matar seus integrantes. Portanto, que o congresso seja amigo do povo e o represente de verdade. Isso, ou o presidente construirá sua popularidade encima da impopularidade do congresso, ou seja, às suas custas, o que poderá ser letal pra democracia. Se congresso ficar ao lado do povo, o presidente recuará. Mas o congresso que rompe com o povo, não pode depois romper também com o executivo sem ameaçar sua própria existência. Fica-lhe, portanto, de escravo.
Mas tem uma coisa mais eficaz que um golpe e ainda mais segura: a ocupação do executivo, do legislativo e das forças armadas por um só partido. Claro que, no Brasil, as forças armadas não podem legalmente ser partidarizadas, mas isso tem mais efeito no papel do que na vida real: uma pessoa que concorda com os ideais de um partido não precisa formalizar sua filiação (observe que isso também deixa aberta a possibilidade de diferentes setores das forças armadas serem a favor ou contra o regime dominante, o que dividiria o exército em facções). Então, um bom jeito de alinhar as forças armadas a um partido é colocando as forças armadas sob um ministro indicado pelo executivo, por exemplo.
Se o legislativo e o executivo estão sob controle massivo de um só partido, ninguém pode dizer que eles estão lá por terem dado um golpe (foram eleitos democraticamente) e o país estará totalmente aberto ao plano de governo do partido eleito. Seria bom, porém, que, em uma situação ótima como essa, as forças no poder tornassem o estado autônomo o bastante pra resistir ao desmonte por um ou mais eventuais patifes que venham a ser eleitos.
Golpes militares, as constituições e as leis.
No caso da constituição francesa, foi a violência que permitiu que a constituição fosse gestada sem interferência popular durante o caos ocorrido no fim da monarquia. Também foi pela violência que a constituição veio abaixo. Um exemplo dessa violência, discutido em O 18 brumário de Luís Bonaparte, é a militar. Durante a nossa ditadura, os militares também fizeram uma constituição. Ou melhor, a assembleia constituinte fez uma constituição com os militares pressionando seus integrantes (dentre os quais, ninguém de oposição). Trata-se da Constituição do Brasil, de 1967.
A declaração de estado de sítio foi um artifício periódico usado pelas autoridades francesas quando elas queriam usar a violência estatal pra reprimir algum inimigo interno. Agora, pense: se o exército é usado dessa forma, a toda hora, ele não terá, algum dia, a ideia de que pode agir em interesse próprio pra reprimir seus próprios inimigos e, de quebra, controlar a economia? Esse “movimento” é facilitado num regime em que um militar ocupa também um cargo político de importância (o que é crime, já que um militar da ativa não pode ocupar cargo político).
O exército, se quiser tomar o poder, precisa fazer alianças. É preciso que haja apoio popular, então é preciso que haja dinheiro, propaganda, entre outras coisas. Depois que o golpe ocorre, esses sujeitos passam a elaborar as leis, inclusive a constituição. Como um golpe, por sua natureza antidemocrática, nunca está realmente comprometido com o povo, tal povo é posto em segundo plano. Entenda: depois que o golpe é dado, a ditadura que se segue não precisa apoiar quem apoiou o golpe. Pelo contrário: todos estão sob risco de ataque, inclusive os apoiadores da ditadura, por qualquer razão, mesmo a mínima dissidência. Essa é a restauração que o reacionário quer.
Claro que o povo, por mais tolo que seja, perceberá que fez besteira quando ver que o governo estava somente o usando. No entanto, se o povo só perceber que agiu contra seu melhor interesse depois que começa a sentir as graves consequências, a quem ele vai recorrer pra se recuperar, se não ao próprio governo que já o traiu antes? De ajudante do governo na guerra contra “o comunismo”, o povo se torna escravo do neoliberalismo.
Um golpista legisla e governa primeiramente pra si mesmo, momento no qual ele mostra quem realmente é. A constituição, portanto, que deveria ser feita por representantes do povo, é feita por gente que nada tem mais a ver com o povo depois que o golpe é dado.
É por isso que tem presidente que fala sério quando diz que quer fechar o congresso, já que o congresso representa o povo. O congresso é o reino do debate, onde as leis são debatidas e os rumos do país são definidos pelos representantes do povo. A existência de um congresso nacional assegura a existência de debate no país inteiro. Sem o congresso, o presidente está livre pra fazer o que deseja sem ter que prestar contas a qualquer pessoa. Possivelmente nem ao judiciário. Afinal, a força que poderia tirar o presidente de lá, o congresso, não existiria, e, sem ele, some também o debate sobre as decisões presidenciais e o poder de anulá-las.
Para terminar, o caráter de ilegalidade é atribuído aos opositores do regime tirando da população o direito de revolta. Assim, se rebelar contra um governo injusto passa a ser ilegal. Isso equivale a tornar legal a injustiça.
Assim, enquanto as forças do poder usam o povo apenas como fonte de recursos humanos, colocando agiotas no ministério da fazenda entre outras coisas, o potencial dos movimentos sociais é reduzido ou neutralizado, perpetuando o uso do povo apenas como meio de sustentar a máquina estatal opressora, embotando seu potencial revolucionário com
a religião sancionada pelo governo. E esse é o golpe final: submeter a educação pública à religião. Qual religião? Aquela que o
presidente apoia. Isso quase transforma os pastores em funcionários públicos, encarregados da manutenção do sistema. Deus é posto no bolso, porque o deus desses pastores é o dinheiro. Está no interesse deles vender terreno no céu pros fiéis que aprenderam bem a menosprezar as riquezas terrenas, ao contrário de seus líderes, servidores de Mamon.
Como os poderosos caem.
Um poder pode ser levado abaixo pelo levante popular, mas, pra isso, é preciso que a população esteja suficientemente louca. Um bom jeito de conseguir fazer isso é pela via econômica. Um projeto de poder que quebre o país e quebre também um indivíduo é um projeto de poder que ameaça a vida dos cidadãos, pois tanto os serviços públicos serão prejudicados quanto a capacidade de obter serviço pela via privada será também reduzida. Uma pessoa que não tem nada a perder perde também o medo de lutar.
Quando essa situação acontece, os cofres públicos precisam ser reabastecidos, custe o que custar, até porque são os cofres públicos que alimentam os militares. Entenda: um estado é forte na medida em que é alimentado com o dinheiro público, porque é com dinheiro público que tanto sua capacidade de legislar quanto de punir é mantida. O governo então precisa aumentar impostos ou achar jeitos de tirar o pouco que a população ainda tem, pra poder reabastecer as reservas estatais. Isso não servirá pra melhorar a situação do país, mas apenas pra evitar que ela piore.
No entanto, isso também faz com que a pessoa, o indivíduo, o cidadão desse país piore de condição. Isso cria uma situação em que o governo e o povo se tornam inimigos: o governo precisa tirar do povo pra manter a máquina estatal em funcionamento, sem retribuir esse povo satisfatoriamente. Que é isso, se não roubo? Tais ações privam o governo da autoridade. Se o poder legislativo e o executivo estão ambos sem autoridade, quer estejam ou não separados, o relógio da revolta é posto em movimento. Quem sabe? Talvez os “comunistas” tivessem razão afinal… Que tal lhes dar uma chance?
Observe que isso também quer dizer que o levante popular contra o sistema estabelecido é menos provável se os serviços públicos estão funcionando e se as pessoas mantém seus fundos pessoais, podem comprar mantimento, têm lazer, enfim, têm dinheiro. Se as pessoas estão felizes, elas não quererão arremeter contra o governo, seja ele uma democracia, ditadura, monarquia ou o que quer que seja. Porque, no final das contas, a função do governo é zelar pelo bem-estar da população. Se ele consegue fazer isso, quem irá reclamar dele? Por isso, revoluções ocorrem mais frequentemente em tempos de crise econômica. Quando a economia vai bem, todo o mundo se segura, pra evitar que movimentos sociais prejudiquem a economia. Quando a economia vai mal, a situação é invertida.
Recomendações.
Embora O 18 brumário de Luís Bonaparte seja um livro de séculos atrás, ele acaba sendo supreendentemente atual. Parece que a estratégia usada por Bonaparte (caso você não tenha ainda notado, o Bonaparte do livro não é o Napoleão) é similar a usada por Bolsonaro, ao fazer acordos com grandes nomes pra depois se ver “forçado” a governar para poucos. Esses poucos pra quem ele governa são seus seguidores no Twitter, que é o 4Chan da nova década, enquanto que Bonaparte governava pra Sociedade de 10 de Dezembro: um amálgama de vagabundos que representava o campesinato retrógrado.
Mas, para chegar ao poder com ideias foscas, você precisa apelar pra saudade que as pessoas sentem de como as coisas eram. Em vez de propor coisas novas, um candidato sem conteúdo fica fazendo referência ao passado. É o truque pra trazer os reacionários adormecidos à superfície. Ao trazer de volta o passado, se traz com ele problemas até já superados. Mas as pessoas ficam distraídas, querendo voltar, sem perceber como as coisas poderiam ser diferentes. Por que isso dá certo? Porque o passado histórico é verificável. Já uma nova ideia, não sabemos seu conteúdo real antes de testá-la.
A saudade do passado também desperta quando vivemos tempos caóticos. O caos que se formou no segundo mandato da Dilma chegou até a dar um fôlego ao Partido da Social-Democracia Brasileira, que acabou sendo pulverizado depois. O antipetismo fez muitos se perguntarem se o Brasil antes do Partido dos Trabalhadores poderia ter dado certo. E se a direita tivesse obtido mais um mandato, em vez do Lula? As coisas teriam sido melhores? Claro que esse sentimento foi amplificado pela mídia oportunista, que o canalizou na forma de um anseio pela volta, não do PSDB em particular, mas da direita neoliberal em geral. Uma solução para o caos?
É muito estranho que todos olhem os presidentes como líderes da nação. Eles são meros representantes de um projeto de poder sancionado pela maioria. Mas isso não quer dizer que é a maioria que manda na democracia. Os jornais da época a que o livro se refere apoiaram a briga contra o proletário e seu direito, certo? Também não nos esqueçamos que jornais brasileiros apoiaram o golpe militar de 1964 e, incentivando a criminalização da esquerda, pavimentaram o caminho pra ascenção do Jair, o qual, em seu primeiro ano de governo, perdeu uns vinte pontos percentuais de apoio. Uma boa fatia da mídia se arrepende do que fez. Mas uma mídia dessas, controlada por uma minoria, pode manipular o pensamento da maioria ingênua. Isso não é governo da maioria, mas o governo eleito por uma minoria que manipula a maoria a votar contra seus próprios interesses.
Rousseau diz que a democracia de fato só pode ocorrer se cada um vota naquele que melhorará sua vida em particular. Porque assim, quem será eleito será aquele que beneficiará a maior quantidade de indivíduos. Se você tenta “votar pelo Brasil”, em vez de por si mesmo, você tem que saber como anda o resto do Brasil. Aí que mora o perigo. Ao votar no que você acredita ser bom pra maioria, em vez de apenas bom pra você mesmo, você terá que recorrer a meios de comunicação de massa pra saber como está o resto da nação. Ora, mas a mídia é manipuladora, todo o mundo sabe, embora nem por isso olhemos pra ela com a devida criticidade. Então, se você tenta “votar pelo Brasil”, em vez de votar pra si mesmo, você terá que recorrer às notícias. Ora, se sua visão do Brasil corresponde à visão do noticiário, você não elegerá a pessoa de quem o Brasil precisa. Você acabará elegendo o candidato que representa o interesse das pessoas que fazem o noticiário.
Se uma minoria, seja a mídia corporativa ou qualquer outra minoria, leva a maioria a pensar como ela, o representante eleito representará a minoria, não a maioria. Por causa disso, não tem nada mais perigoso do que “votar pelo Brasil”. Sempre vote apenas por si mesmo. Vote apenas naquele que pode beneficiar você. Se todos fizerem isso, o representante eleito realmente será da maioria.
Fala-se muito que pode haver um golpe militar amanhã. Mas O 18 brumário de Luís Bonaparte e também a própria história tradicinal nos mostram que nenhum golpe é feito sem apoio do povo. É preciso tanto que as forças armadas estejam interessadas quanto também uma parcela significativa do povo. Na atual configuração geopolítica, um golpe militar só causaria problemas ao Brasil. A ONU não ia deixar passar barato, nações democráticas ficariam com ainda mais receio de investir aqui ou de fazer negócios com a gente. Nessas condições, creio que um golpe militar, se fosse irresponsavelmente lançado, ocasionaria uma ditadura mais curta que a última. Além do mais, se a maioria da população for contra o regime militar, a sua capacidade de organização e protesto é facilitada pela Internet, algo que não estava disponível ao povo durante os anos de chumbo. O ditador teria que censurar a Internet. Mas ele teria coragem?
O que faz o povo juntar forças pra derrocar um governo é a condição econômica. Se o estado prospera é porque a economia vai bem tanto pro governo quanto pro povo. Se a economia vai mal, um terá que tirar do outro. E, claro, será o governo a tirar do povo. Nessas condições, o governo e o povo tornam-se inimigos. Se o governo não honra seus compromissos com o povo (e a função do governo é, sobretudo, assegurar o bem-estar do povo), tampouco o povo precisa honrar seus compromissos com um governo que só tem munição pra uma hora de guerra. Se tivéssemos meios legais de ter e portar armas, a revolta seria a melhor forma de o povo derrubar o governo. Sem armas, a melhor forma que eu vejo é se recusar a sustentar o governo. Isso é feito através da greve geral. O ideal seria fazer as duas coisas, mas é difícil levar a sério uma “revolta pacífica”. Então, se quiser pressionar o governo, pare de trabalhar. Fique em casa e convença outros a fazer o mesmo. De quebra, pare também de comprar. A perda pra eles é maior.
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