Agostinho! Um dos meus filósofos favoritos. Extremamente produtivo, escreveu mais de trezentos textos entre religiosos e filosóficos. Se bem que seu pensamento filosófico sempre esteve muito atrelado à religião católica, o que é compreensível.
Agostinho teve uma infância normal pra época, o que quer dizer que ele apanhava dos professores por brincar na aula. Na idade adulta, ele reprovou os professores que o bateram, óbvio, antecipando em um bom tempo a tendência moderna de banir das escolas a disciplina física. O’Carroll ficaria orgulhoso.
Já na adolescência, Agostinho gostava de sair de madrugada com outros adolescentes tão desocupados como ele pra fazer rolezinhos medievais, o que envolvia roubar pêras (mais sobre isso em breve).
Agostinho escreveu sobre vários temas. Eu fiz anotações sobre alguns textos dele e as publiquei aqui. Lendo as anotações, vemos que Agostinho escreveu sobre filosofia, antropologia filosófica, metafísica, ética, teoria do conhecimento, entre outros. Neste texto, vamos nos focar em apenas três coisas: sua teoria cronológica (a natureza do tempo), a substancialidade do mal e a condição humana.
O que é o tempo?
Pergunta desconfortável essa. Agostinho entende o tempo como parte da criação, isto é, o tempo não existia antes que Deus o criasse. Assim, seria ilógico perguntar o que Deus fazia antes de criar suas criaturas: se o tempo é uma das criaturas, então não se pode falar de “antes” do tempo ser criado, uma vez que o conceito de “antes” depende do de “tempo”.
Assim, se o tempo é uma das criações de Deus, segue-se que não havia “antes” da criação. Mas, pois bem, voltemos à pergunta principal: o que é o tempo. Agostinho afirma que o tempo é uma daquelas coisas que todo o mundo sabe o que é, mas que não é fácil colocar em palavras. Mas ele vai tentar assim mesmo: pense no tempo como uma espécie de “régua mental” usada para medir a distância entre dois momentos, em vez de dois objetos ou dois locais. Quando você percebe algo, você começa a “medir” e pára de medir ao perceber outra coisa de interesse. Hoje chamamos isso de tempo psicológico, em oposição ao tempo ontológico.
Agostinho afirma que somente o presente existe: o passado e o futuro, por sua natureza (o que não existe mais e o que ainda não existe) não podem ter existência objetiva. Então, pode esquecer seus planos de viajar pro passado. Passado e futuro têm apenas existência subjetiva, como memória e esperança. Assim, passado e futuro só existem na sua cabeça. Fora de nós, só o presente existe.
Origem do mal.
Todo o mundo sabe que Agostinho era cristão (católico, mais especificamente). Isso quer dizer que ele acreditava em um Deus bom e todopoderoso. Se Deus é bom e todopoderoso, qual seria a origem do mal? Porque o mal existe, certo? Deus teria criado o mal? Se o criou, certamente foi de propósito.
Agostinho tenta sair dessa de um jeito inusitado: o mal é como a escuridão ou o silêncio, isto é, um estado de ausência. A escuridão é um espaço vazio de luz. Então, o que existe é a luz, não a escuridão, que só ocorre quando a luz se vai. Da mesma forma, o silêncio é um espaço vazio de som. Tanto o silêncio quanto a escuridão são ausências e, portanto, não têm substância. Assim é o mal: o mal é a ausência de bem.
Mas o que leva o bem a ser afastado de determinado lugar, pessoa ou situação? O mau uso do livre-arbítrio. O ser humano escolhe rejeitar o bem. Mas isso nos leva a outra pergunta: por que Deus permite isso? Bom, por que Deus nos deu liberdade? A liberdade é um bem e só vai discordar disso quem tem mentalidade de escravo. Então, a criação seria menos perfeita sem criaturas livres que lha dessem um caráter autônomo.
Para ilustrar (como fazem as testemunhas de Jeová): suponhamos que eu te dê cinquenta reais e você vai e compra crack com o dinheiro. A culpa é minha? Do dinheiro? Ou sua? Assim é a liberdade: ela é um bem e não deixa de ser um bem só porque há quem a use de forma errada. Então, Deus não tem culpa pela maldade humana, se a liberdade é um bem. O responsável pela maldade é quem a comete. Ideias tão próximas do existencialismo pra um cristão!
Existem três tipos de males, sendo dois relativos e um literal, segundo Agostinho: natural, voluntário e corretivo. Somente o segundo tipo é um mal em sentido literal. Os outros dois só são males de determinado ponto de vista. O mal natural é apenas a natureza funcionando como deveria (erupções vulcânicas, tornados, enchentes, tudo isso não pode ser chamado literalmente de “males”, pois a natureza age sem moral). Já o mal corretivo (punições por ações ruins) só são males pra quem recebe a correção, mas são benéficas pra sociedade como um todo. Assim, só é mal, em sentido literal, aquele que escolhemos praticar. Se mal é ausência de bem, então somos maus quando deliberadamente afastamos o bem de nós ou dos outros.
Por que escolhemos praticar o mal?
Agostinho, na adolescência, gostava de sair de madrugada pra fazer rolezinhos medievais com adolescentes tão desocupados como ele. Em um desses rolezinhos, ele e seus amigos foram roubar pêras. Refletindo sobre este assunto na idade aduta, Agostinho se pergunta por que ele iria querer roubar pêras, quando ele as tinha em maior número, melhor qualidade e compradas com dinheiro lícito? É porque roubar é interessante. Mas por quê?
Para Agostinho, o pecado original nos leva a derivar prazer gratuito do desafio à autoridade. A maior autoridade é Deus. Além disso, ele não queria passar vergonha: seus amigos também roubaram as pêras e ele, se não o fizesse, seria tido em menos estima entre seus amigos.
Com isso vemos que o ser humano não precisa de uma boa razão pra fazer o mal aos outros, argumento retomado por Thomas Hobbes, o qual sustenta que o ser humano é, por natureza, antissocial. Assim, muitas vezes escolhemos praticar o mal apenas porque isso nos dá prazer, não por alguma utilidade a longo prazo nem por necessidade. Trágico, não é?
Recomendações.
Das ideias de Agostinho, eu só falei das que eu sei com maior solidez. Ele escreveu mais de trezentos textos e discorrer sobre todas elas requereria, no mínimo, uns seis livros.
O fato de que seres humanos não precisam de boas razões pra praticar o mal é o que deveria nos levar a pensar em meios preventivos, não apenas corretivos, na educação de seres humanos. Tome o exemplo das nossas leis: nenhuma delas tem poder contra intenções, só contra crimes consumados, o que é uma coisa boa pro tipo de medida que elas são. Mas precisamos lembrar que a pessoa que sente que pode se safar e não ser descoberta cometerá um crime, pra bem ou pra mal. Geralmente pra mal. Quem previne é a educação. Mas que tipo de educação? Não é a biologia, a química ou a física que vai ensinar a pessoa a ser alguém íntegro, mas as ciências humanas. Aí se tira fundos da educação, tira a autonomia das ciências humanas e o que acontece? Que geração estamos formando? Triste que nosso governo não pensa no futuro.
Mas a ideia de que a vontade de fazer o mal é comum aos seres humanos deveria servir pra nos aproximar. Ter vontades ruins é normal e você só se torna uma pessoa ruim se você praticar atos ruins. Então, se você tem vontade de fazer algo que sabe que não deveria fazer, saiba que eu também passo pela mesma coisa e que todo o mundo também passou por isso ou ainda vai passar. Faz parte da natureza humana. Você só precisa sentir culpa por seus atos, nunca por suas vontades, especialmente porque você as não escolhe.